A Árvore da Vida
por Taiani MendesNuma floresta, Leilei (Zhang Li) discute com o pai Ming Chun (Zhang Mingjun) o seu destino. Irritado e descontente com a profissão que está aprendendo, ele se afasta e sai de quadro. Escapa da vista do genitor. Quando reaparece, já não é Leilei e sim sua falecida mãe, Xiuying, que assumiu o corpo do menino para resolver uma pendência na Terra. Encare com naturalidade a incrível premissa e deixe-se encantar pela bela narrativa de A Vida Após a Vida, primeira obra do diretor e roteirista Zhang Hanyi.
Ming Chun e o filho são dos últimos moradores de uma aldeia chinesa que diariamente contabiliza novas perdas de anciãos e passa por um processo de desocupação. A cidade, com suas fábricas, grandes máquinas e pequenos apartamentos, ganhou o jogo. Mudança de estado da matéria, mudança de moradia, mudança de árvore sem partir suas raízes. É essa a missão imposta por Xiuying, que deseja mover a árvore que plantou no quintal de casa (e a conhece como ninguém, ela diz) para uma área melhor do que o abandonado jardim de sua antiga residência.
A conexão que a falecida tem com a árvore não existe entre os seres humanos da família. Ming Chun não se entende com o filho, não é querido pelos parentes da esposa – que por isso mal têm contato com Leilei – e perdeu pai e mãe. Como o elo que faz falta, morta precocemente, Xiuying retorna para reestabelecer tais ligações. No momento e no lugar em que todos só querem ir embora, até mesmo pedras gigantes, seu espírito invade o filho na tentativa de atuar enquanto há tempo.
No ritmo lento do lugarejo reduzido a escombros e dos personagens que só falam o necessário, Hanyi prioriza longos planos fixos, travellings e panorâmicas. Imagens pitorescas e chocantes (incluindo um incômodo assassinato de cabra) estimulam os olhos do público, acompanhadas por não raros silêncios. O contraste visual gritante/som minimalista produz impacto equivalente ao conflito de ver o corpo do menino Leilei e ouvir a voz feminina adulta saindo de sua boca. Num cenário marcado por oposições em variados aspectos, a árvore aparece então como único refúgio. Funda no solo e próxima do céu, é acessível a todos e serve como ponto de salvação física e espiritual.
O tom monocórdio e o tempo desacelerado podem induzir ao sono em alguns trechos, mas vale a ingestão de cafeína e a colocação de palitos nos olhos para que nem um segundo de fotografia impecável seja perdido. A Vida Após a Vida toca de maneira profunda e indescritível os sentimentos dos espectadores que se engajam com o coração aberto no devagar conto de laços (d)e família montado usando registros que permanecem na memória ao fim da sessão.
É expressivo que a trama narrada por Leilei acabe na véspera do ano novo. Sopro de renovação no cinema chinês – mesmo somando referências e não inovações –, o longa fala sobre lidar com o passado para liberar o caminho do futuro (o ideal do ritual de transição anual) de forma poética e sensibilizante.
A realocação da árvore confidente é dificultada pelo embate campo vs. cidade que se encaminha para a conclusão - com vitória do segundo. A conhecida solidariedade camponesa já foi substituída pelo individualismo citadino e Ming Chun, que, como o derradeiro guerreiro da aldeia, ainda ousa encarar em seu veículo modesto um enorme trator, acaba sem qualquer ajuda para executar o desejo da mãe de seu filho. Cabe a ele então rolar montanha acima o grande peso da árvore adulta, tal e qual o mito grego de Sísifo. Metáfora da vida moderna, que não por acaso assalta a família protagonista, a lenda trata de um trabalho sem sentido, mas se há algo que sobra no improvável desafio de Xiuying é razão – e uma coisa que não falta nesta fábula é beleza.