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    Bumblebee
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Bumblebee

    Guilty pleasure por natureza

    por Renato Furtado

    O perigo está vindo e Charlie (Hailee Steinfeld) orienta Bumblebee, o gigantesco robô alienígena amarelo ovo desmemoriado que faz as vezes de animal de estimação, a se esconder, reassumindo seu disfarce como detonado fusca. Mas o que ele faz é, com todo seu corpanzil de aço fundido, enterrar sua cabeça na areia da praia. A cena, apresentada quase na metade da duração da fita, só comprova a certeza que vinha se construindo até aquele momento: Bumblebee, o filme, não pode ser levado a sério — e isso é a melhor coisa que poderia acontecer.

    Sem firulas técnicas inexplicáveis e incongruentes, demonstrações exacerbadas de um patriotismo que quase descamba para o nacionalismo, mitologias confusas envolvendo dinossauros e nazistas e um senso de dramaticidade exagerada, este derivado da franquia Transformers é tudo que seus "primos" mais velhos não são: leve, divertido, direto ao ponto e ridículo — no melhor sentido da palavra — na medida correta. É evidente que as explosões e os efeitos especiais das mutações automobilísticas, tão particulares à saga produzida por Michael Bay, estão presentes, mas o trunfo deste spin-off é trazer, inequivocamente, as obras de Steven Spielberg (E.T.) e John Hughes (Clube dos Cinco, citado inteligentemente em diversas ocasiões durante o longa) como principais influências.

    Ao ambientar a história de origem de Bumblebee nos anos 80, o diretor Travis Knight (Kubo e as Cordas Mágicas) e a roteirista Christina Hodson (Aves de Rapina) têm a oportunidade de não só agradar aos fãs da série original, como também retomar as raízes narrativas da franquia, deslocando o núcleo das batalhas megalomaníacas para o estabelecimento da amizade entre um ser humano e seu carro. Embalada por uma trilha sonora empolgante, composta por temas clássicos de bandas oitentistas como The Smiths e Simple Minds — "Don't You Forget About Me", é óbvio —, a relação entre Charlie e o então fusca amarelo não só diminui o escopo da empreitada como um todo, conduzida com leveza por Knight, como também cria uma conexão mais profunda a nível de personagens.

    Movendo-se rapidamente, baseado em piadas orgânicas e situações engraçadas e até mesmo bobas, Bumblebee utiliza a diversão como motor de sua objetiva montagem. Enquanto é evidente que a trama paralela da destruição de Cybertron, razão pela qual o robô amarelo é enviado por Optimus Prime para a Terra, traz mais seriedade, boa parte do filme é fundamentada pelo bom e velho espírito zoeiro dos anos 80. A família de Charlie — Pamela Adlon rouba a cena, como sempre —, por exemplo, lembra as confusas famílias de obras como Curtindo a Vida Adoidado e De Volta para o Futuro, ao passo em que o Agente Burns de John Cena é um militar badass com um repertório infindável de hilárias frases feitas — fiquem atentos para a sequência da porta, mais no final do longa — que fariam os personagens de Arnold SchwarzeneggerSylvester Stallone muito orgulhosos.

    Por outro lado, a ligação entre Charlie e Bee também é construída de modo a estruturar o dramático arco da jovem personagem, com seus 18 anos recém-completados mas perdida no mundo após o falecimento de seu pai. Knight, cujo passado como animador é muito extenso, tendo trabalhado por duas décadas na profissão e sendo membro do estúdio LAIKA, encena as sequências de ação de maneira mais limpa, inteligente, realista e pé no chão — pelo menos até onde lutas entre robôs gigantes podem ser naturais —, mas tem ainda mais sucesso, de fato, no estudo do íntimo de seus protagonistas. Por mais surpreendente que possa parecer no contexto da franquia Transformers, Bumblebee também é um comentário — imbuído pelo senso do entretenimento, é claro —, sobre a dificuldade da superação do luto e o duro processo de amadurecimento pelo qual todos os adolescentes precisam passar em direção à fase adulta da vida.

    Desse modo e apesar de toda a linha narrativa envolvendo a batalha entre os Autobots e os Decepticons ser interessante, especialmente a nível visual dos combates e das transformações de carros para robôs em si, este spin-off realmente brilha quando mantém as coisas simples, fazendo o melhor uso da fotografia desgastada e dourada — que remete, consequentemente, ao look dos títulos da década de 80, especialmente nas doces cenas em que Charlie e Mino (Jorge Lendeborg Jr.), o fofo e inocente par romântico de Bumblebee, se aproximam, descobrindo juntos o confuso e desajeitado caminho do primeiro amor de adolescência. Entre guerras espaciais e dramédias teen, o filme soa como o projeto que um filho de Michael Bay e John Hughes produziria.

    Guilty pleasure por natureza, Bumblebee tem em sua maior qualidade o reconhecimento de que sua trama busca o suprassumo do inacreditável, da forma mais comicamente natural possível. Expandindo-se para direções inéditas neste universo e abrindo diferentes trajetórias narrativas a serem exploradas por uma franquia anteriormente esgotada e esvaziada, Bumblebee não é só o auge da saga Transformers. Também é um filme, de fato, sólido em suas propostas e despretensioso em sua execução. E às vezes, isso é mais do que o suficiente.

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