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    Postais Mortíferos
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Postais Mortíferos

    Negan do outro lado da moeda

    por Vitória Pratini

    O gênero de investigação criminal tem sido explorado nos cinemas e na televisão há anos, com cada vez mais produções, reboots e adaptações de livros sendo lançados — desde CSI e seus inúmeros spin-offs, passando pelas excelentes True Detective e Mindhunter, até chegar nos cultuados O Silêncio dos Inocentes e Seven - Os Sete Crimes Capitais. Só que nem sempre quantidade quer dizer qualidade, ou que o filme ou a série traga algo de inovador. É o caso de Postais Mortíferos. O longa investe em mensagens metafóricas brilhantes e tem como trunfo Jeffrey Dean Morgan no papel principal. Porém, acaba gerando um distanciamento entre obra e público e uma banalização das vítimas de assassinos em série (ou serial killers).

    Na trama, Morgan é Jacob Kanon, um policial de Nova York cuja filha é brutalmente assassinada durante sua lua de mel em Londres. Abalado, ele resolve caçar o criminoso responsável pelo ato, ao mesmo tempo que tenta lidar com a dor de seu luto. Enquanto isso, outras mortes semelhantes estão acontecendo em diversos países e têm o mesmo padrão: o assassino recria obras de arte famosas com os corpos de suas vítimas e sempre manda um cartão postal sugerindo o que pode acontecer. Jacob tenta ajudar a força tarefa na Europa mas suas sugestões são rejeitadas e ele logo busca o apoio da jornalista americana Dessie Lombard (Cush Jumbo) vivendo no exterior.

    A produção é dirigida por Danis Tanović, ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por Terra de Ninguém, seu longa de estreia, premiado também no César e no Festival de Cannes. O cineasta traz uma estética muito própria mas incerta: Postais Mortíferos não se decide se quer ser cult ou blockbuster.

    Jeffrey Dean Morgan entrega policial emotivo em Postais Mortíferos

    Uma coisa é certa: Jeffrey Dean Morgan é bastante versátil em seus personagens. Desde The Walking Dead até Grey’s Anatomy, passando por Supernatural, ele entregou uma dualidade de vilões, heróis e protagonistas fortes. Em Postais Mortíferos, ele tenta dar malha para Jacob, mostrando-se durão por fora mas protagonizando diversos colapsos emocionais condizentes com um pai que acabou de perder a filha e o genro de uma forma brutal.

    Após ver Morgan por tantos anos como Negan em The Walking Dead, é interessante ter o “vilão” — o que Negan não é faz um tempo — do outro lado do “rastro de sangue”. Pena que o personagem de Jacob não oferece muitas camadas. A parte do “policial que quer vingança” já foi vista tantas vezes na pele de “brucutus” como Liam Neeson, Denzel Washington, Jason StathamBruce Willis e tantos outros. E Jeffrey Dean Morgan não é um deles (ainda). O que ele traz de novo no papel é justamente o lado emocional.

    Famke Janssen, eterna Jean Grey de X-Men, está apagada no papel

    Uma das decepções de Postais Mortíferos, porém, é a presença de Famke Janssen, a eterna Jean Grey da trilogia original dos X-Men. A atriz é desperdiçada no papel da ex-esposa de Jacob, Valerie. A personagem conduz uma investigação por conta própria nos Estados Unidos, mas seu arco narrativo — apesar de necessário para a conclusão do caso — é mal explicado e parece perda de tempo. A tentativa é deixar o enredo nas entrelinhas, como o divórcio deles ou o por quê ela é tão influente no governo para pedir favores. Porém, acabou tornando a personagem misteriosa demais e desinteressante. A cena entre Janssen e Denis O’Hare poderia ser o ponto alto do filme, mas é simplesmente oca.

    Muito do enredo do filme parece solto, sem uma linha de pensamento contínua. Postais Mortíferos é inspirado no livro “Os Assassinos do Cartão-postal”, do popular norte-americano James Patterson (responsável por criar vários mistérios nas páginas e nas telas, como a franquia Alex Cross) e a autora sueca Liza Marklund. Certamente a obra literárias dá espaço o suficiente para cada narrativa se desenvolver. Porém, sua versão cinematográfica é enxuta, corrida e deixa pontas soltas. A jornalista de Cush Jumbo, por exemplo, não tem uma despedida própria no filme, e seu arco pede por mais.

    O personagem de Morgan faz praticamente um tour pela Europa, uma mudança fresca e bem-vinda em relação aos cenários dos Estados Unidos. O conflito de “ideais” entre o modus operandi da polícia norte-americana e europeia é bastante explorado. Estas diferenças culturais começam satíricas, mas a insistência do filme na temática torna a questão enfadonha e desnecessária, caindo no clichê do "americano sabichão".

    Filme transita entre arte e crime

    O mesmo acontece em relação à motivação dos assassinos. Postais Mortíferos transita muito bem entre obra de arte e crime, fazendo referências a pinturas aclamadas e incluindo música clássica em cenas brutais, mas banaliza as mortes quando elas acontecem fora da tela. Isto gera uma frieza e um distanciamento entre público e obra, o que talvez fosse proposital. Afinal, a estética própria é excelente, e a fotografia, direção e temperatura das cenas geram essa sensação “gelada”.

    Porém, a brutalidade só é lembrada no sofrimento de Jacob, especialmente porque as câmeras se demoram nos cadáveres como esculturas. Nem mesmo os assassinos são mostrados como sádicos por si só; somente pela perspectiva de outrem.

    O destaque positivo é que a trama foge dos estereótipos quanto aos culpados, e escancara o “preconceito” social em uma reviravolta brilhante. A revelação das identidades dos assassinos na metade do filme também foge do comum e poderia muito bem contribuir para um desenrolar mais complexo. Postais Mortíferos não consegue muito se reinventar depois disso, mas deixa espaço para uma sequência. Quem sabe não damos mais uma chance para o viés de suspense e ação de Jeffrey Dean Morgan?

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