‘Fofíneo’ na medida
por Renato HermsdorffNo mundo bipolar em que vivemos (Marvel vs. DC; coxinhas vs. petralhas; o vestido é branco e dourado ou azul e preto?), há duas formas de se analisar esse Gatos, documentário da realizadora turca Ceyda Torun. Para além da dualidade óbvia (gatos vs. cachorros), estamos falando da dicotomia que contrapõe o lado passional (pelos felinos) e o técnico (o exercício da crítica em si).
Sob a ótica do primeiro ponto de vista, Kedi (no original) é um deleite só. E por quê? Simplesmente porque dedicar uma vida inteira apenas observando esses bichanos em movimento, se lambendo e se alongando, fechando os olhos ou apressados atravessando a rua em busca de comida basta. Gatos são lindos, cativantes e certamente merecem que você gaste pouco mais de uma hora (é até pouco) para serem vistos numa tela grande. E ponto.
Dentro desse amplo (e apelativo, para o bem e para o mal) universo, Torun estabelece um recorte louvável sobre o “objeto” de seu estudo. Não se tratam, aqui, de gatíneos fofíneos penteados de madames (nada contra. Bom, talvez...) tratados a Royal Canin Premim. É a gatalhada de rua mesmo, independente, mas que não dispensa um carinho (e uma comida) vindo de uma (frequente) mão amiga.
Nesse sentido (e aqui entra o aspecto técnico), o roteiro acompanha a rotina de sete gatos em Istambul (igualmente “desglamourizada”), a partir do qual se fantasia (de forma comedida, diga-se) uma narrativa para cada um. O desafio maior é captar um conjunto de imagens que dê conta de ilustrar o que está sendo dito. Tarefa um tanto óbvia, mas ainda assim, de difícil execução, que o longa-metragem cumpre – destaque para a disputa de território entre Gamsiz (um macho preto e branco) e Ginger (arruivado), cujas estratégias poderiam ter sido descritas num livro de George R. R. Martin (ok, pode ser que haja um componente de exagero nessa frase).
Ainda: quando falam dos gatos de que cuidam eventualmente, os personagens humanos dizem mais de si próprios do que dos animais, propriamente, o que resulta numa interessante análise do comportamento humano – não deixa de ser curioso que eles especulem teorias avulsas sobre deuses e E.T.´s.
Aqui, não há uma tese a se provar, o que, mais vez, tem seu lado bom e o ruim. O aspecto positivo é que não há o risco de enveredamento por uma viela pretensamente intelectual de “cagação” (desculpem) de regra. É filme de gato, ora! Por outro, as escolhas de "personagem" de Ceyda são um tanto aleatórias. O que, blá blá blá whiskas sachê, significa dizer que, no fim, tanto faz, tanto fez quem é o gato que a cineasta pegou para representar.
Mas vale pela contemplação.