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    Intolerância.doc
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Intolerância.doc

    Casos de violência

    por Bruno Carmelo

    De acordo com o dicionário Aurélio, intolerante é “aquele que não pode suportar as crenças e as opiniões alheias se divergem das suas”. Por isso, é curioso que o documentário comece com um longo episódio sobre as brigas entre torcidas organizadas no futebol. Trata-se de um caso de violência, é claro, mas não é o exemplo típico de intolerância porque, como um dos ex-líderes da Mancha Verde afirma, não existe nenhuma raiva específica contra o grupo alheio, nem a vontade de extingui-lo. De acordo com os próprios entrevistados, a briga entre a Mancha e a Gaviões ocorre pelo prazer da briga em si, pela necessidade de se afirmar entre seu grupo. A violência adquire uma função social retórica, algo confirmado pelo depoimento de um delegado, afirmando que as vítimas desses assassinatos “não são alvos determinados”.

    Intolerância.doc parte da dificuldade ontológica de determinar seu objeto de estudo. O projeto dirigido por Susanna Lira divide sua estrutura em três episódios de ódio: as brigas entre torcidas, as agressões transfóbicas e os ataques de grupos neonazistas a punks. A princípio, não existe problema em colocar os três lado a lado, pois são igualmente merecedores de atenção. Mas ao descrever estes casos como formas equivalentes de intolerância, o filme ignora aspectos essenciais do problema, que se encontram na percepção de suas origens e de suas consequências sociais. Brigas entre gangues rivais e o ataque covarde de fascistas contra transexuais não possuem as mesmas características.

    A indefinição ocorre, em parte, porque o tom de urgência impede nuances na reflexão. Não existe preocupação real em inserir os casos num contexto amplo, utilizando-os para compreender o sistema como um todo. A direção demonstra tanta pressa que não interrompe o encadeamento dos exemplos para analisar números, estatísticas, escutar outros lados envolvidos, entender de que modo os conflitos sociais moldam e estimulam os crimes de ódio. Uma delegada traz afirmações muito interessantes, assim como o antigo presidente da Mancha. Infelizmente, estas declarações não encontram eco no discurso do documentário, e logo são abandonadas para o filme avançar ao episódio seguinte.

    O imediatismo também gera um desenvolvimento insuficiente nas imagens: ora temos animações muito competentes, e úteis como representação de uma violência presente no imaginário coletivo, ora temos materiais de arquivo desfocados de modo amador, com edição sonora e de fotografia deficiente. Em determinados momentos, a câmera treme como na captação de uma reportagem televisiva ao vivo, mas depois entram depoimentos posados de pais, com luz pouco trabalhada, e em seguida imagens de Internet, YouTube, além de outros recursos que se acumulam sem real preocupação com o agenciamento entre eles.

    Intolerância.doc parte de uma preocupação humanitária louvável. No entanto, falta foco ao filme: primeiro, seria necessário compreender o que a direção entende por intolerância (e de que forma ela diverge da violência mais genérica), investigar e fornecer possíveis ideias sobre a causa ou consequência do problema. A constatação é importante, porém insuficiente. Mais limitador ainda é isentar a política governamental desta esfera de atuação, e não citar agressões a negros, imigrantes, indígenas, ou seja, casos frequentes de violência deliberada contra minorias, exemplos que não se restringem ao prazer da agressão coletiva. Existem muitas ideias, muitos temas, porém falta direcionamento e reflexão ao resultado.

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