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    Ilegítimo
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    Eduardo Kaneco
    Eduardo Kaneco

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    4,0
    Enviada em 23 de novembro de 2016
    Filme romeno incomoda ao abordar o incesto e o aborto

    Presente na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, este filme romeno é um drama corajoso que aborda questões morais de forma séria e profunda.

    Durante uma refeição familiar, o pai, viúvo, é indagado por um de seus quatro filhos, todos presentes à mesa, se ele realmente contribuiu no passado para a ditadura ao delatar médicos que praticavam o aborto, como mostram os documentos que sua esposa encontrou ao trabalhar em uma dissertação. O patriarca Victor (Adrian Titieni) também é médico, e tenta se justificar alegando que não concorda com essa prática, para ele equivalente a tirar a vida de um ser humano, mesmo que hoje o aborto seja legalizado na Romênia. As discussões gradativamente se tornam mais agressivas, chegando até ao embate físico. Victor resolve, então, ir embora de casa.

    Os filhos gêmeos, Romeo (Robi Urs) e Sasha (Alina Grigore), à noite, praticam sexo incestuoso, iniciado pelo rapaz, e aceito a contragosto pela parceira, que pede que esse hábito cesse. Logo, descobrirão que estão grávidos, o que elevará a discussão sobre o aborto para a realidade da família.

    O tema ousado de “Ilegítimo” recebe paralelo no estilo de filmagem empregado aqui pelo diretor Adrian Sitaru. Na cena da discussão à mesa, a câmera está inquieta. Vários enquadramentos se alternam, em ritmo irregular, e até um zoom é utilizado de forma brusca, tudo pensado com finalidade de caracterizar a tensão do momento, transformando a relação da família num caos.

    Os movimentos de câmera, posteriormente, se tornarão mais apaziguados, mas durante todo o filme se mostram imprevisíveis, assim como o que acontece na narrativa. Até o final, o incesto é tratado como fato inadmissível para a sociedade, sendo essa a posição do filme, e não a exaltação do amor entre os irmãos.

    Há um jogo onde se desafia o espectador a descobrir quem são os personagens. Não existe nenhum recurso gratuito para tal, além da atenta escrutinação. Na sequência inicial, sete pessoas se sentam para a refeição. Um deles, facilmente identificamos como o pai. Porém, desvendar quem são os filhos é árdua tarefa. Na observação, concluímos errada, porém corretamente se analisada sob o aspecto amoroso, que Romeo e Sasha são namorados e não irmãos. É o que enxerga quem está de fora, sem ainda conhecer as peças que formam o jogo esperado do socialmente aceito. Mais tarde, quando os dois fazem sexo, nos perguntamos novamente se eles são irmãos, uma recusa a ver o que contraria nossas regras morais.

    Na última cena, Adrian Sitaru inclui na família uma pessoa que fica sentada à direita da tela. Sem participar do que acontece na situação, de volta à mesa do começo do filme, nos indagamos quem seria ela. Determinada importância lhe é reservada, que justifica sua incorporação no enquadramento da foto familiar. É como se representasse a lei, que existe, mas que não precisa ser usada. O fato de a lei permitir o aborto não afasta as questões morais sobre o assunto, nem obriga a ser usada em qualquer contexto. O incesto, mesmo que regulado legislativamente, não afastaria suas contestações morais, e mesmo as regras sociais não obrigam que sejam obedecidas cegamente.

    “Ilegítimo” incomoda.

    Por Eduardo Kaneco
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