Uma política incoerente
por Bruno CarmeloEste drama começa bem – muito bem, aliás. O garoto Nero (Johnny Ortiz) está no México, ao lado da fronteira com os Estados Unidos, cogitando a melhor maneira de atravessar. Ele não corresponde à típica figura do mexicano em busca de melhores oportunidades no país vizinho: Nero foi criado em Los Angeles, mas por vir de uma família de imigrantes ilegais, foi deportado com eles. Agora, busca retornar ao país com o qual se identifica culturalmente e se alistar no exército, na intenção de obter o green card.
O terço inicial da trama se desenvolve como um bom drama de personagens, carregado de tensão e comentários políticos. O diretor iraniano Rafi Pitts, do excelente O Caçador (2010), constrói cenas belíssimas a exemplo da travessia do muro em plena madrugada de Ano Novo, com os garotos correndo enquanto os policiais admiram os fogos de artifício no céu. Existe uma mistura de lirismo e crítica social na parte em que uma carona à beira da estrada se transforma num discurso sobre a paranoia de segurança à americana.
Após este trecho, no entanto, o filme de desenvolve em episódios distintos e desiguais. O reencontro de Nero com o irmão funciona como um segmento à parte, com seus clichês de mansões gigantescas, gângsteres poderosos e mulheres fatais mexicanas. Mas logo estes personagens desaparecem da história, e num simples corte da edição, Nero é visto no deserto, vestido de soldado, com uma bela luz do pôr do sol coroando-o como herói, quase uma estátua ao militarismo. Como Nero conseguiu integrar o exército sem sua identidade verdadeira? Mistério.
Soy Nero passa a articular pontos de vista ambíguos, incompatíveis entre si. Apesar do início progressista e antibelicista, a parte em que o filme adota os códigos de ação se transforma num elogio à virilidade americana com todos os clichês de uma produção hollywoodiana do gênero. Em sua posição de soldado, Nero é obrigado a reproduzir com outros a dominação a que foi submetido, algo que poderia carregar uma bem-vinda. Entretanto, os créditos explicitamente homenageiam os soldados dos Estados Unidos.
Rafi Pitts, neste caso, parece perdido com o filme que tem em mãos. Ele é perfeitamente capaz de registrar cada cena separadamente, mas a união dos trechos revela-se caótica, como se curtas-metragens de diretores diferentes tivessem sido unidos na mesma obra. Alguns personagens transparecem humanismo, outros reproduzem os velhos clichês do olhar estrangeiro. A posição ideológica ora agradaria os fãs do pensamento democrata, ora remetem ao pensamento absurdo de Donald Trump.
Por mais que seja solidário aos imigrantes deportados, Soy Nero o faz de modo condescendente com o imperialismo do país em que se encontram. Fica a impressão de um projeto com uma porção de boas ideias e boas intenções, perdidas num roteiro confuso. Em provável tentativa de imparcialidade e equilíbrio, o filme acaba se contradizendo o tempo inteiro e, por fim, não defendendo nenhuma ideia de modo convincente.
Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2016.