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    A Amante
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    A Amante

    O sonho da fuga

    por Bruno Carmelo

    O espectador pode demorar um pouco para delimitar o tema central ou os conflitos que movem o drama tunisiano de Mohamed Ben Attia. Desde o início, a câmera está colada ao rosto do silencioso Hedi (Majd Mastoura), um representante comercial prestes a se casar. Existe um evidente desconforto nas expressões do homem, mas nenhum problema específico atravessa seu caminho: ele gosta da bela e amável noiva, a família fornece toda a ajuda necessária, a situação financeira parece sob controle.

    Mas algo no jovem não condiz com aquele meio. Talvez o grande trunfo do ator seja transmitir a sensação de não pertencimento sem transformar o protagonista em alguém amargo ou mal-agradecido. Nos raros momentos em que Hedi sorri, o espectador é lembrado de que existe uma pessoa tranquila dentro de um corpo tão tenso. O verdadeiro conflito só é descoberto quando, numa viagem a trabalho, ele conhece Rim (Rym Ben Messaoud), mulher que representa tudo que falta em sua vida: ela tem 30 anos e não se casou, vive sua sexualidade abertamente, não mantém laços próximos com a família. A paixão por ela é inevitável.

    Este poderia ser um filme de amor, mas o roteiro prefere tratar da autodescoberta do protagonista. Em plena fase de questionamento das regras, Hedi enxerga no casamento a estrutura social mais rígida em termos de códigos e pressões sobre sua posição de homem, de futuro pai de família, de funcionário exemplar, de homem de classe média alta etc. Aos poucos, Hedi se transforma. É uma libertação, também para o espectador, descobrir um homem capaz de se divertir tanto, de se mover tão livremente na ausência da família e da noiva. O espectador é levado a torcer por ele, pela fuga com Rim rumo a uma nova vida.

    Com produção dos irmãos Dardenne, o projeto segue a cartilha estética comum aos cineastas belgas: câmera na mão elegantemente captando as expressões (mas sem tremer demais), pouca trilha sonora, exceto pelas canções diegéticas, atenção a todos os personagens coadjuvantes de modo a evidenciar o conflito de vontades e o dilema moral do protagonista. Uma cena é particularmente bela, quando Hedi dança em uma festa típica, fechando os olhos e movendo o corpo como se estivesse em transe. Fugindo da religião tradicional, ele encontra um prazer análogo ao êxtase religioso. 

    É verdade que o resultado não traz surpresas quanto à construção, nem à estética, apostando na cartilha humanista e ultrarrealista dos Dardenne. Mesmo assim, para um filme de estreia, Hedi impressiona pela segurança na direção e pela preparação dos atores. A conclusão amarga reafirma o viés político de uma história que torce pelo futuro de seu personagem principal, sem ignorar as duras consequências de romper com a vida em sociedade.

    Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2016.

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