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    O Outro Lado da Esperança
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    O Outro Lado da Esperança

    Mundo absurdo

    por Bruno Carmelo

    O diretor Aki Kaurismaki sempre equilibrou o seu cinema numa improvável convergência entre temas sociais e estética cômica. Às vezes, o estilo funciona muito bem, quando evoca questões complexas como a identidade de um personagem vítima de violência (O Homem Sem Passado, 2001). Em outros momentos, o excesso de doçura suaviza demais questionamentos que talvez merecessem uma abordagem menos otimista (caso de O Porto, 2011). Com The Other Side of Hope, o finlandês oferece um de seus melhores trabalhos ao intensificar tanto o aspecto burlesco quanto o lado violento da narrativa.

    O roteiro ilustra a crise de refugiados na Europa, começando com a imagem sombria de um homem emergindo das cinzas, como uma Fênix escondida. Ele é Khaled (Sherwan Haji), imigrante sírio que foge do país e percorre diversas nações, sem conseguir se estabelecer, até chegar à Finlândia. Recusando a condição de imigrante ilegal, efetua um pedido de asilo político. Enquanto espera pela resposta, leva uma vida miserável pela cidade e descobre uma cultura diferente da sua. Um ponto de apoio é o pequeno empresário Wikström (Sakari Kuosmanen) que, embora não seja um grande humanista, acaba ajudando o homem à porta de seu restaurante.

    Um mérito importante deste projeto é não deixar que a comicidade sugira um caminho fácil para Khaled. A descrição feita pelo imigrante sobre sua jornada é longa, cruel, em longos planos, para o personagem ter tempo de contar em detalhes o que viveu. O humor nasce não de seu sofrimento, mas do tratamento absurdo que recebe. O roteiro abre brechas para cenas com neonazistas, para burocratas da polícia e do governo e para empregadores que desejam abusar de sua fragilidade financeira. O personagem responde a todos esses ataques com um rosto absolutamente impassível, como de costume numa produção de Kaurismaki. O resultado é uma epopeia de ares kafkaianos.

    Outra qualidade é o fato de associar a crise de refugiados ao funcionamento próprio do capitalismo contemporâneo. A compra do restaurante, a distribuição de dinheiro entre os funcionários e o empréstimo feito a Khaled tornam-se momentos hilários por explicitarem um mecanismo tacitamente aceito na sociedade: quando o jovem sírio pede dinheiro emprestado, Wikström lhe dá duas notas de vinte euros, mas logo retira uma nota das mãos do outro. “São os impostos”, explica. As transformações patéticas do restaurante para se tornar mais rentável e a tentativa de encaixar o novo funcionário numa minúscula dispensa servem a explicitar um mecanismo de opressão.

    Kaurismaki embala está fábula em suas tradicionais cenas com música folk e luz dura diretamente nos cenários, conferindo um caráter ainda menos realista à ação. Quanto ao humor, ele é exemplar: para todos os indivíduos sugerindo que “hoje não dá para fazer piada com nada, tudo está sério demais, todo mundo se ofende”, basta assistir a esse projeto e descobrir que existe um efeito muito diferente quando se faz chacota do oprimido e quando se extrai humor do opressor e do próprio sistema. The Other Side of Hope consegue ser ao mesmo tempo leve e complexo, incisivo na crítica política e despretensioso na estética. É um feito impressionante para um tema de difícil representação.

    Filme visto no 67º Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2017.

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