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    Hunky Dory
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Hunky Dory

    A nova marginalidade

    por Bruno Carmelo

    Nas décadas de 1960 e 1970, o cinema independente americano se destacou tanto pelo registro inovador da estética – a câmera fluida, os personagens livres em cena, a fotografia naturalista – quanto pelo retrato contundente da marginalidade no país. Os filmes de John Cassavetes, Martin Scorsese e Paul Newman eram potentes por encontrarem uma forma criativa de falar sobre as pessoas excluídas e sobre a crise ideológica e financeira pós Guerra do Vietnã.

    Hunky Dory é herdeiro direto dessa tradição. O filme de 2016 retrata um novo grupo de marginais, porém com o vigor e a liberdade das produções de antigamente. Num ano particularmente marcado pelas guinadas políticas à direita e pelos cortes de investimentos em programas sociais, esta produção pode ser lida como sintoma de uma nova crise. Sidney (Tomas Pais), aspirante a rock star que trabalha como drag queen num bar decadente, é um produto típico dos tempos de austeridade e individualismo exacerbado. Sem perspectivas de melhora financeira, ele repete a rotina cansativa, tendo que cuidar do filho pequeno, abandonado pela mãe.

    O diretor Michael Curtis Johnson acompanha este personagem em registro semidocumental. Sidney transita pelas ruas pobres, com suas roupas extravagantes e gastas, alternando entre o precário palco e a casa mal organizada, incluindo visitas aos amigos doentes. O olhar da direção não é piedoso, mas aproxima todas essas figuras em espírito fraterno: Sidney encontra o cliente Glen (Peter Van Norden) ou o colega Danny (Jeff Newburg) em dias brancos, melancólicos, quando ambos conversam, sem muita convicção, sobre o futuro que gostariam de ter. A montagem e a direção de arte conseguem transmitir muito bem a sensação de falta de perspectiva na vida dos personagens. Ao invés do fetiche da marginalidade, o cineasta oferece a poesia crepuscular de figuras abandonadas pelo sistema.

    Tomas Pais merece um destaque à parte. O ator principal, com pouca experiência no cinema, é espetacular: ele cria uma composição grave, com traços de um possível rock star misturados à decadência dos gestos e do corpo. O olhar é ao mesmo tempo desperto e saturado, como se ele se esforçasse para demonstrar um vigor extinto há tempos. A maneira surpreendente de trabalhar com diálogos – acentuando palavras inesperadas, criando pausas e entonações que pareciam não existir no texto – fazem deste trabalho uma verdadeira revelação. A força de Pais, ironicamente, ressalta a fragilidade de alguns companheiros de cena, como Joy Darash e Chad Hartigan, que desaparecem ao lado do protagonista.

    Nem tudo são flores no trabalho da direção. Às vezes Michael Curtis Johnson apela para recursos questionáveis – a música de fanfarra, reproduzida em todas as cenas de sexo – e maneiras pouco expressivas de captar o conflito, como a importante crise de Sidney em cena, vista apenas em close-ups. Mas Hunky Dory é fruto de um louvável prazer da experimentação. Ao invés de fornecer as imagens polidas dos filmes de festivais como Cannes e Berlim, ou o formato padronizado das produções de estúdio, este projeto sabe usar seu baixo orçamento para criar representações distintas dos corpos, dos conflitos, dos ritmos. Um belo retrato da marginalidade no século XXI, carregado por um ator fenomenal.

    Filme visto no 24º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2016.

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