À margem
por Francisco Russo"As novelas brasileiras são mais bonitas, as argentinas são muito tristes." Tal frase, dita por uma personagem logo no início de Ninguém Está Olhando, dá uma boa pista do que está por vir: um longa-metragem com características claramente novelescas, apresentado a partir da saga de um ator argentino na faixa dos 30 anos que, repentinamente, decide abandonar a carreira em ascensão em seu país-natal para tentar a sorte em Nova York, também como ator. Esta é a premissa básica deste novo trabalho da diretora Julia Solomonoff, que conta também com várias pinceladas de sua vida pessoal devido ao fato dela mesma ter vivido na cidade no passado, como estudante.
Há dois aspectos muito fortes na concepção de Ninguém Está Olhando: a invisibilidade do indivíduo perante a sociedade e a opção pelo gueto, nos mais variados aspectos. Se a questão do imigrante em um local estranho às suas origens é um tema inevitável, assim como o óbvio choque cultural decorrente, chama a atenção a opção da diretora em situar tal história em um ambiente absolutamente clean. Nico transita por locais e pontos turísticos com absoluta normalidade, deixando claro que não se trata de alguém à margem do ritmo habitual de Nova York. Ele apenas não é notado pelos que estão ao redor, uma síndrome habitual ocorrida em cidades gigantes que praticamente engolem seus habitantes devido ao ritmo frenético com o qual estão habituadas.
Dentro destas características, Nico ainda tem particularidades que o excluem ainda mais: latino - e, mesmo entre eles, sem o tipo físico clichê esperado -, imigrante sem visto e gay. Cada um destes aspectos é apresentado de forma a ressaltar a solidão vivenciada pelo personagem, que se agarra com todas as forças ao convívio como babá de um fofíssimo bebê, que lhe serve de válvula de escape emocional enquanto sonha com um futuro melhor. Paralelamente, comete pequenos furtos e golpes para se manter financeiramente.
Dentro deste cenário, a diretora apresenta com uma certa habilidade as ansiedades, tensões e desejos de um homem tão segmentado em situação tão adversa, mas ao mesmo tempo tem dificuldades em resolver os problemas criados a partir de cada uma das peculiaridades do personagem principal. Muitas são as situações resolvidas de forma brusca e até artificial, como a questão com a mãe do bebê, o pedido de casamento e o relacionamento com a diretora badalada - cujo personagem é bem mal construído, diga-se de passagem. A jornada de Nico assume então contornos absolutamente novelescos, numa espiral decadente pouco convincente.
Em meio aos problemas de roteiro da metade final, que desperdiça bons coadjuvantes, Ninguém Está Olhando traz como maior destaque o bom trabalho de Guillermo Pfening como Nico e ainda um punhado de cenas improvisadas envolvendo bebês e crianças - que são, de longe, o que há de melhor no filme! Por mais que até levante uma certa análise sobre o sonho de vencer na América, seja ele frustrado ou não, e da importância cada vez maior dos latinos dentro do ritmo habitual de Nova York, ainda assim nada é aprofundado de fato. São breves pílulas apresentadas a partir de situações e diálogos, que servem apenas para compor o clima de frustração envolvendo Nico. Regular.
Filme visto no 27º Cine Ceará, em agosto de 2017.