O jogo da mídia
por Francisco RussoSeja nos quadrinhos ou no cinema, a essência dos X-Men está na forma como o mundo ao redor lida com a existência dos mutantes, escancarando preconceitos arraigados a partir de uma metáfora ao mundo real. Veterano da franquia, o roteirista Simon Kinberg sabe bem disso e, em sua estreia na direção, constrói este novo (e derradeiro) capítulo da saga em torno um passo adiante em tal relacionamento: agora, os X-Men são famosos. Usam uniforme chamativo, têm fãs e até mesmo viraram bonecos. O presidente dos Estados Unidos os convoca quando precisa de ajuda. Tudo bem diferente daquele início marginal, onde Xavier e Magneto duelavam nos bastidores sobre como deveria ser a convivência com os humanos.
Tal mudança, é importante ressaltar, de certa forma é fundamentada não apenas pelo exibido nos longas anteriores, mas pelo próprio momento histórico. Com a atual proposta de situar cada filme em uma década, chega a ser natural tal postura anti-belicista em plenos anos 1990, em um mundo menos paranóico devido ao fim da Guerra Fria - em 1991, apenas um ano antes de quando este filme é situado - e também por não ter sido (ainda) afetado pelos atentados de 11 de setembro de 2001. Se X-Men: Fênix Negra não passa escancaradamente por tais questões políticas, tal subtexto está intrínseco ao estranhamento provocado não apenas em Mística, mas em todo bom conhecedor dos X-Men: por mais que se saiba de antemão que tal parceria será apenas momentânea, é interessante explorar tal conjuntura para entregar algo novo até então, ainda mais em uma franquia longeva como a dos heróis mutantes, com 12 filmes na bagagem - e ainda o já pronto e nunca lançado Os Novos Mutantes, é sempre bom lembrar.
Pena que Kinberg explore tão pouco tal questão, em parte por sucumbir às pressões existentes em torno deste novo capítulo. Acéfala desde a saída de Bryan Singer, seja pelo fracasso de X-Men: Apocalipse ou mesmo pelas recentes acusações de assédio recebidas pelo diretor, a saga dos heróis mutantes foi entregue não a um autor que pudesse rejuvenescê-la, como fez Matthew Vaughn em X-Men: Primeira Classe, mas a um conhecedor do universo já estabelecido sem qualquer experiência prévia na arte de transformar palavras em imagens, ainda mais nesta escala. O resultado de tamanha inexperiência se vê nas telas, sob variados aspectos.
O mais surpreendente deles tem a ver com o binômio maquiagem e efeitos especiais, bem aquém do habitual da franquia - especialmente em relação a Mística, ainda mais por ser o quarto filme em que a personagem é interpretada por Jennifer Lawrence. Teria a equipe de produção desaprendido o que funcionava tão bem? Soma-se a isso um punhado de diálogos previsíveis e a insistência de Kinberg em explorar momentos grandiosos para esconder o desenvolvimento capenga do roteiro, em especial a dinâmica entre os personagens. O exemplo mais escancarado é a inútil batalha de rua em Nova York, na qual Magneto ergue um metrô do subsolo apenas para lacrar a porta de entrada. De que adianta quando se tem um transmutador como Noturno na equipe, que vai aonde quiser? Ou mesmo perante a possibilidade de entrar ora pela janela, ora por algum buraco qualquer aberto na parede?
Kinberg não se importa com tal incoerência e espalha momentos do tipo por todo o longa-metragem: a disputa por um helicóptero e todo o confronto do ato final também servem como exemplos. Mas não é só: há também problemas no tratamento dado a certos personagens, em especial Mercúrio e Tempestade. Se o primeiro simplesmente desaparece em todo o terceiro ato, sem qualquer justificativa plausível a não ser a indisponibilidade de Evan Peters durante as necessárias refilmagens, a heroína de Alexandra Shipp sofre um insólito preconceito vindo de ninguém menos que o professor Xavier, diminuindo-a perante ao grupo mesmo que ele já a tenha colocado em perigo no inicio do próprio filme. Kinberg, pelo visto, não entendeu (ainda) a importância do respeito às personagens femininas em uma aventura deste porte, por mais que até tenha colocado uma boa sacada na breve discussão entre Mística e Xavier, no início do filme - teria sido mero hype?
Em meio a tantos equívocos estruturais, X-Men: Fênix Negra ainda capenga naquelas que deveriam ser seus maiores ícones: Sophie Turner e Jessica Chastain. Com uma vilã limitadíssima em mãos, sem qualquer aprofundamento narrativo, Chastain entrega uma performanece empedernida que jamais provoca alguma sensação real de ameaça - culpa muito mais de como a personagem foi concebida do que propriamente da atriz. Já Sophie Turner escancara suas deficiências em uma sucessão de caras e bocas visando demonstrar raiva e descontrole, a todo instante. Como Game of Thrones tão bem demonstrou, a intérprete de Sansa se sai (bem) melhor quando precisa usar a sutileza ao invés do exagero emocional.
Com James McAvoy e Michael Fassbender entregando sua costumeira competência, mas sem brilho, X-Men: Fênix Negra apresenta um punhado de personagens desgastados em uma aventura absolutamente genérica, onde nem mesmo a influência de uma das sagas mais badaladas dos quadrinhos serve de alento. Burocrática, a transformação de Jean Grey na personagem-título pouco acrescenta à franquia como um todo a não ser pela já citada ambientação inicial, na qual os X-Men - e os mutantes, de uma forma geral - estão em um momento bem diferente. Quanto a isto, vale apontar um breve instante apresentado pelo roteiro em meio a tantas batalhas gratuitas, que apontam a fragilidade em torno da palavra tolerância. Afinal de contas, seja nos quadrinhos ou no cinema, é quando aponta o preconceito arraigado na sociedade que os heróis mutantes realmente dizem ao que vieram.