O Iluminado não é somente um dos maiores clássicos de terror de todos os tempos. Na verdade, é um dos maiores clássicos do cinema, dentre todos os gêneros. É daqueles filmes que servem como referência a inúmeros cineastas. Uma fonte de inúmeras cenas frequentemente utilizadas na cultura pop mundial. Uma obra prima icônica e eternizada. Fazer uma continuação é uma responsabilidade imensa. Para um filme que é excepcional e tão marcante como O Iluminado, usar os personagens já tão consagrados no universo popular de uma maneira continuada e em uma nova perspectiva é não somente arriscado como ousado. Não podemos deixar também de reforçar que o filme de Kubrick é baseado em outra obra icônica: o livro de Stephen King (talvez o mais cultuado do autor em sua ampla carreira literária). Não li o livro que deu origem à obra kubrickiana e tampouco ao livro do mesmo autor que deu origem a essa continuação intitulada Doutor Sono. Sei que há diferenças marcantes entre os livros e as obras e que o próprio autor tem suas divergências sobre ambas adaptações, mas analisando o filme sem essa bagagem literária, é fácil gostar do filme de Mike Flanagan. Os personagens icônicos estão lá e a estética de Kubrick também. Os trejeitos dos personagens remanescentes são visíveis. Mais parece uma homenagem ao filme clássico. Tudo parece minunciosamente pensado para os fãs do filme (mais do que os fãs do livro em si). Várias referências, easter eggs e homenagens são exibidas durante o filme. Danny (Ewan McGregor), o então menino iluminado que explorava o Overlook Hotel de velocípede pelos corredores sinistros de O Iluminado, agora é um quarentão, alcóolatra como o pai, e que ainda segue abalado pelos eventos sobrenaturais vividos quando criança e por toda sua vida adulta. Ele acaba tendo que reencontrar e lutar com os seus fantasmas do passado só que agora na companhia de Abra (Kyliegh Curran), uma adolescente de 13 anos que tem também características comuns aos Iluminados. Não darei detalhes sobre o enredo, mas a personagem Rose Cartola, interpretada pela excelente Rebecca Ferguson é de uma significância absurda. Muitas coisas que podem ser consideradas mal explicadas no filme de Kubrick, aqui ganham uma “explicação”. E a carismática atriz consegue roubar suas cenas, junto ao Ewan McGregor que consegue mais uma vez com seu talento mostrar as complexas disfunções psicológicas de um personagem rico como Danny Torrance, embora receba um foco maior a partir do terceiro e último ato do filme. Bem... o filme não chega a ser uma obra perfeita e tampouco tem a pretensão de se tornar uma obra prima como o clássico de 1980. Mas mesmo com uma longa duração (mais de duas horas e meia), o filme tem um bom ritmo. Oscila hora e outra, além de alguns personagens secundários que servem apenas de enfeite, sem nenhuma relevância na trama em si. Mas visualmente o filme é bonito e as referências ao hotel do filme de Kubrick são extasiantes aos fãs do filme original. Claro que um ou outro não gostarão do filme, e é preciso realmente ver o filme de 1980 para compreender o que acontece aqui em Doutor Sono. Mas apesar dos pesares, o filme me pareceu uma deliciosa mistureba de referências com um belo clima sombrio e que claramente tem os toques de King, Kubrick e mesmo de Flanagan. Talvez esse exagero de referências possa prejudicar a identidade artística do filme, mas me pareceu mais interessante do que falho. Um deleite em meio a erros circunstanciais. Eu gostei e certamente verei de novo quando estiver disponível para ver em casa. Para quem é fã de O Iluminado, é obrigatório, embora certamente será amado e odiado. Para quem não é fã do filme de Kubrick, veja o filme clássico e depois se prepare para uma aventura que tem mais acertos que erros.