A trama tinha tudo para ser uma sátira ao mundo moderno e a prioridade que o homem dá as coisas, quando na verdade há outras questões mais importantes, uma inversão total de valores. Mas esse não é esse tipo de filme. Começamos com Brian Cranston (Olá Walter White, dá um Oi pro Jesse por mim) na pele de Howard Wakefield em sua rotina, e preste bem atenção nessa palavra, rotina, porque toda a trama gira em torno, ou em fuga, dela. Ele questiona-se sobre sua importância em sua própria vida, como em seu casamento, paternidade e relação social. Você já se perguntou se o mundo continuaria girando se você simplesmente desaparecesse? Então sente-se, pegue uma pipoca e dê logo o Play. Alerta de Spoiler: Ele continua girando. É triste, as vezes você até pensa em pegar suas coisas e sumir. Nada muito planejado. Só uma mochila, algumas roupas, toda a sua economia e uma passagem só de ida. Coragem, algumas pessoas tem essa coragem. De volta ao filme. Você provavelmente já deve estar pensando: "Mais um filme criticando a sociedade capitalista, quanta criatividade". Não se engane meu caro cristalzinho. O interessante aqui é que o filme não critica absolutamente nada da sociedade, mas obriga você a fazê-lo durante toda a trama. O personagem mesmo o diz: "Eu não perdi a fé na humanidade, eu perdi a fé em mim mesmo. Eu me perdi. Eu criei toda essa prisão, na qual eu era cativo, mas eu também fui o captor. Eu sou a vitima". Pra você que assistiu a aclamada série Breaking Bad. Lembra-se da paranoia de Walter ? Lembra-se da gana por achar um propósito em tudo ? Pois é. Brian mais uma vez impressiona com essa magnífica atuação. Howard é um personagem que poderia facilmente ter se desviado de seu objetivo nas mãos de outro, como aparentando um psicopata,
nas cenas de Voyeurismo
, ou alguém frio e sem coração, por abandonar sua família assim do nada. Mas Cranston é estonteante. Ao passo que ele ri das mazelas da corja de estúpidos que o cerca, ele chora junto à sua esposa que chora escondida nos cantos da casa em saudade do desaparecido marido. E agora sua esposa, a também magnífica ex-Elektra, daquele demolidor que não deixou cicatrizes no cinema, de Ben Afleck. Imagine só uma atuação onde você, em 95% do tempo, terá que expressar seus sentimentos só pelo olhar ou pequenos gestos. Coisa que vimos, e aplaudimos, em filmes como Logan, com a queridíssima X-23, ou o aclamado Charlie Chaplin. Nossa elektra faz isso com as mãos amarradas aos pés. Easy Peasy Leemon Squeezy, ou nacionalmente falando, mamão com açúcar. E ela é brilhante. Você sente a dor, dos dois, em todos os momentos. Se comove, chora e ri junto com eles. Não me entenda mal, esse NÃO é o melhor dos melhores filmes de todos os tempos. É sensacional, trata bem levemente um assunto pesadíssimo, mas não extrapola nenhuma linha limite, nem nada parecido. Quanto ao final, há aqueles dentre vocês, caros leitores, que entenderão o final como uma extensão meio a meio dos dois resultados mostrados anteriormente à cena final. Mas também terão aqueles que pensarão em um final "deixado em aberto". Quanto à isso eu preciso falar duas coisas. Primeiro, depois que você realmente aceita que ele está mesmo morando no sótão ao lado de sua casa, e acredite em mim, você demorará a aceitar isso durante o filme, ele vai brincar contigo sobre uma saída dessa situação à todo momento. Não caia nessas lorotas. Apenas aceite que o homem não é louco e que na verdade ele realmente ama sua família. Jeito louco de demonstrar, mas de novo, quem foi que disse o que seria normal e o que não seria? Eu não tento passar a mão na cabeça de ninguém, acredite, essa não é a melhor das opções, mas tente entendê-lo, e só assim você poderá seguir com o filme. E finalmente, segundo, porque não ir além? Durante todo o filme, o diretor brinca contigo sobre estar saindo de lá, quando na verdade é tudo fruto da imaginação de Howard. Partindo desse princípio, há milhares de finais. Ele poderia ter morrido no frio, devido à falta de agasalhamento, fato que infelizmente ainda ocorre em nossa realidade. Acredite, fora desse seu apartamento, dessas suas cobertas quentes e seu chocolate morno na mesa, há pessoas congelando até a morte nas ruas, no frio de inverno. Olha o filme te obrigando a criticar a sociedade aí. Ele poderia ter ido para a floresta. Poderia nunca ter saído do sótão. Poderia ter sido descoberto pelas filhas, ou pela própria mulher, e claramente, vendo todo o aparato feito e sabendo que ele o havia feito de propósito por todos os meses, não teria acabado bem pra ele. Mas aqui deixo a minha, sincera e questionativa, opinião: E se, talvez, toda a cena final tenha sido imaginada por ele, dado o fato de que, como dito antes, o filme brinca com aquela situação diversas vezes. Nós sabemos o quão criativo ele pode ser. E se foi tudo um sonho, desde que ele adormeceu no trem, e sua mulher nunca ligou, o acordando, e termina bem onde o filme começa? Deixo aqui essa pulga atrás da sua orelha. Divirta-se coçando-a.