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    O Bar
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    O Bar

    Brincando de guerra

    por Bruno Carmelo

    “O medo revela quem realmente somos”. Esta é a tese pouco otimista desta comédia espanhola, que coloca uma dezena de personagens em situação de extrema tensão para vê-los agirem como animais. Na trama, uma dezena de pessoas de diferentes sexos e classes sociais toma um café num bar decadente da cidade. Quando um cliente sai do estabelecimento, leva um tiro de algum lugar desconhecido. Todos ficam desesperados diante do corpo sangrando na calçada. Percebendo que a vítima ainda respira, outro sair do bar e tenta ajudá-lo. Mas é baleado na cabeça.

    Em segundos, a civilidade desaparece e o bar se transforma num caos. O primeiro passo é a tentativa de compreensão por parte dos clientes: de onde vêm os tiros? Por que estariam disparando? Pretendem matar todos que saírem? Como alertar as autoridades? Por que o caso não está sendo noticiado na televisão? Lançadas as dúvidas, surgem uma série de hipóteses, umas mais absurdas que as outras, capazes de responder à situação. As teorias conspiratórias forçam os personagens a se virar uns contra os outros, a matar caso queiram permanecer vivos. A ideia, portanto, é de que nossa natureza não se encontra na razão, e sim nos instintos de preservação.

    Álex de la Iglesia, apaixonado pelas comédias de terror e pela mise en scène da barbárie, se diverte bastante a partir de tal premissa. O prazer da direção se assemelha àquele das crianças com seus bonecos, imaginando as maneiras mais perversas e criativas de torturá-los porque sabem que tudo não passa de faz de conta. Não existe preocupação real com os personagens, reduzidos a estereótipos (a modelo, o mendigo, o hipster, o policial agressivo, o funcionário ignorante etc.), e testados na hipótese de precisarem guerrear uns contra os outros. Em quem você apostaria?

    A suposta unidade de espaço é logo superada pela direção, que trapaceia nas regras criadas por ela mesma. O bar se desenvolve numa infinidade de cenários (o porão, os esgotos, etc.), permitindo que os seres enclausurados tenham mais desafios ao buscarem a fuga. Continuando na lógica de jogos infantis, as regras são criadas de acordo com a necessidade, e são descartadas quando não servem mais ao princípio do prazer. Conflitos envolvendo um revólver, uma seringa e um buraco no chão tornam-se alegremente incoerentes, mas explorados em seu potencial de espetáculo imagético e contorcionismo narrativo.

    Por isso, apesar de funcionar muito bem como comédia, El Bar fracassa na vertente do suspense. Seria preciso apresentar uma revelação muito sólida para amarrar tantos elementos e justificar os questionamentos lançados desde os primeiros minutos de narrativa. Como diriam os bons roteiristas: é preciso que a conclusão do suspense pareça ao mesmo tempo surpreendente e a única possível naquela situação. Ora, o desfecho revela-se pouco satisfatório para quem busca uma explicação coerente para além do simples prazer da carnificina. Mas o filme se conclui quando os personagens chegam ao limite, e dá-se por completo pela diversão eficaz, grotesca e extrema que proporciona ao longo do caminho. É como se Álex de la Iglesia simplesmente interrompesse o jogo e guardasse os brinquedos. Pelo menos, como exercício de imaginação assumidamente perverso, o tempo é muito bem gasto.

    Filme visto no 67º Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2017.

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