A mais bela homenagem a Michael Bond
por Rodrigo TorresA aprovação unânime de Paddington 2 no Rotten Tomatoes é um indicativo que transcende o cinema. Muito embora os números do agregador de críticas atestem sua superioridade em relação a As Aventuras de Paddington, que é fato e raro, esta continuação não é uma obra perfeita. O que tornou impossível uma avaliação negativa ao filme foi seu coração — um sintoma surpreendente de que, após anos turbulentos, especialmente no Reino Unido, o mundo esteja se abrindo ao mantra de bondade e senso de comunidade dessa continuação, novamente escrita e dirigida por Paul King.
Consequentemente, uma premissa fadada à pieguice. Ou à total entrega ao pueril, à cartilha educativa para crianças. Mas não. Paul King, em nova prova da química criativa com Simon Farnaby (protagonista de seu primeiro longa-metragem, o ignorado e surreal Bunny e o Touro), realiza um roteiro inteligente: projeta ternura na construção de uma Londres colorida, tradicional, de sonho, no humor físico, nos figurinos, em toda a concepção visual da obra, concentrando o discurso à figura de Paddington — que é o personagem mais gentil e mais fofo do mundo. Aposta apelativa e certeira.
Paul King estabelece a história de Paddington 2 rapidamente, criando um MacGuffin ao mesmo tempo simples e perfeito: um livro pop-up para o ursinho presentear sua Tia Lucy, em vias de completar 100 anos. Diante da necessidade de comprar o objeto, o atrapalhado protagonista arranja um trabalho como limpador de janelas, estrelando sequências de humor físico que tanto provam o valor crescente do CGI na franquia, como o bom encadeamento das cenas, de ação e gags bem pensadas. E se um vizinho não tem dinheiro para pagá-lo, ele limpa os vidros assim mesmo, clareando sua visão para fora em âmbito literal e metafórico.
Além do próprio As Aventuras de Paddington, autoreferenciado com rimas visuais como o escovar dos dentes do protagonista, as grandes inspirações de Paul King são os dois primeiros (e talvez maiores) gênios da comédia pastelão baseada no gestual: Charles Chaplin, em quem se espelha também no intuito de transmitir mensagens positivas, e por isso Paddington 2 é um claro manifesto em favor da comunhão entre pessoas, raças, países, em uma afronta a esse Reino Unido de apoio ao Brexit; e Buster Keaton, que tem sua obra-prima A General referenciada na maior set piece do filme: seu divertido clímax em uma perseguição de trem.
Além de um protagonista amável (dublado com muito mais adequação e qualidade agora, por Bruno Gagliasso, do que no primeiro filme, por Danilo Gentili) e da Londres particular de Paul King, encantadora, Paddington 2 transborda carisma em cada peça de seu elenco — que é absurdo, a ponto de reunir lendas do cinema britânico do porte de Imelda Staunton, Michael Gambon, Jim Broadbent e Peter Capaldi em papéis secundários e/ou como meros dubladores.
No elenco principal, Hugh Grant ri de si mesmo como o vilão Phoenix, deliciosa releitura do Conde Olaf. O respeitado Hugh Bonneville e a premiada Sally Hawkins (indicada ao Oscar 2018 por A Forma da Água) esbanjam graça como os Brown, a nova família de Paddington que parte em uma missão para provar sua inocência após ser detido por um crime que não cometeu. Na prisão — transformada, pela bondade do urso, pela mise-en-scène de King e por um figurino acidentalmente rosa, em um cenário criado por Wes Anderson —, Brendan Gleeson empresta sua expressão única para construir um grandalhão rabugento que amolece ao paladar de marmelada.
Assim, após apresentar Paddington ao mundo em 2014, Paul King leva a cinessérie a um improvável passo adiante, a despeito da quebra da novidade após o primeiro filme e de umas poucas ressalvas à sequência, de trama tão simples, por vezes previsível e um bocado infantil. Em seus principais acertos, porém, Paddington 2 presta uma linda homenagem a Michael Bond, morto recentemente, aos 91 anos. Além da mensagem explícita, no final, o maior tributo à sua obra é uma adaptação respeitosa, desde a essência, transformada em uma franquia tão bem estabelecida.