"Continuar, continuar, isso é que é necessário"
Marcos Pena Júnior*
Um artista tardio, que só se dedicou de fato à pintura nos oito últimos anos de sua vida, embora tenha trabalhado como comerciante de arte anos antes com seu irmão Théo. Vicent pintou mais de 850 quadros, mas enquanto vivo teve apenas um comprado. Morreu pobre, sustentado pelo irmão. Foi um artista criativo e prolífico como poucos, viveu e deixou a vida miserável como muitos.
A trama da história em "Com amor, Van Gogh" descreve Armand - filho do carteiro amigo de Van Gogh, Roulin - tentando localizar Théo para lhe entregar uma carta que Vicent o rescreveu pouco antes de morrer. Por sinal, este é um fato que deveria ser melhor explorado no longa em animação, os dois irmãos trocaram muitas correspondências ao longo desses oito anos em que o pintor viveu na França, especialmente, em Arles e Saint-Rémy. A animação é totalmente composta por pinturas a óleo, baseadas nas técnicas desenvolvidas por Van Gogh e inspiradas em suas pinturas.
Um documentário romanceado, Loving Vicent (título original em inglês) é uma obra tão emocionante e inspiradora quanto as obras do gênio sobre o qual narra. São 65.000 frames, produzidos por 100 pintores! Uma grande produção para uma grande história. Indicado ao Oscar de melhor animação em 2018, o filme já obteve quase 50 indicações e 20 prêmios. Shame on you, Academy, por não ter concedido a premiação ao filme. Para quem gosta de admirar belas pinturas, sendo assim fã do pintor que mais influenciou tal arte no século XX, a produção é imperdível, e impossível assisti-la uma única vez.
Seus dois últimos meses de vida, provavelmente os mais produtivos, foram vividos em Auvers sur Oise. Entre as pinturas que ele produziu nessa cidade localizada a 30 km de distância de Paris estão "Portrait of Dr Gachet (first version), oil on canvas, 67 x 56 cm, June, 1890", "Sheaves of Wheat, oil on canvas, 50.5 x 101.0 cm, July, 1890" e "Landscape at Twilight, oil on canvas, 50.2 cm x 101 cm, June 1890". Belas demonstrações do seu nível de inspiração e criação no período.
O ponto central do filme é o tratamento dado às questões emocionais de Vicent e sua grande inquietação artística. Aqui nos é apresentada a visão de que ele não era mentalmente perturbado, mas emocionalmente instável e extremamente intenso. A direção, a produção e os roteiristas merecem nossas congratulações por tão profunda sensibilidade. Uma vida sem reconhecimento, sem sucesso, sem destaque e repleta de dificuldades. Muitos seres humanos desejariam não continuar vivendo, ao que tudo indica Vicent Van Gogh decidiu isso. Ainda assim, prefiro ficar com a imagem do pintor determinado, que não cedia. Alguém que sempre que se sentia derrotado, repetia para si mesmo: Continuar, continuar, isso é que é necessário.
* www.marcospenajr.com.