Demônios internos
por Francisco RussoPor mais que tenha uma curta carreira no cinema - Mais Forte que o Mundo é seu terceiro filme, após 2 Coelhos e Presságios de um Crime -, já dá para notar os cacoetes estilísticos do diretor Afonso Poyart. Oriundo da publicidade e fã de efeitos especiais, ele adora inserir cenas em câmera lenta aonde pode, é adepto de uma edição ágil e raramente utiliza planos de mais de 30 segundos. Se necessário, insere animação à narrativa em live action e talvez seja o diretor brasileiro que melhor rode cenas de ação. Todas estas características estão presentes em seu novo trabalho, a ambiciosa cinebiografia do lutador José Aldo, com seus inevitáveis prós e contras.
Antes de tudo, é importante ressaltar que Mais Forte que o Mundo é o melhor filme de Poyart - o que não significa que também não possua problemas, especialmente no início situado em Manaus. É na origem de Aldo que os maneirismos visuais do diretor surgem de forma mais intensa, e também gratuita. Se sua formação publicitária dá ao filme um verniz de qualidade técnica inegável, especialmente em relação à fotografia, fato é que Poyart às vezes peca pelo exagero. São tantas as cenas desfocadas ou em slow motion que elas não apenas perdem o impacto como até mesmo prejudicam a narrativa, por vezes confusa. É o caso do personagem de Rômulo Neto, de fundo psicológico, e a própria transição de Manaus para o Rio de Janeiro, após a separação dos pais de Aldo. Situações que ficam meio no ar, sem serem facilmente percebidas pelo espectador.
Por outro lado, é também esta curiosidade estética que provoca certas ousadias do diretor. Um exemplo: ao longo do filme, várias são as cenas em que a câmera é posicionada em um objeto inusitado, no melhor estilo Breaking Bad. A última luta de Aldo, dentro do conhecido octógono do UFC, conta com um traveling ao redor do ringue, acompanhando a movimentação dos lutadores. Tais iniciativas nem sempre funcionam, é verdade, mas são bem-vindas no sentido do risco assumido e apontam um cineasta inquieto, mesmo que ainda não tenha o pleno domínio de como aplicá-las sem prejuízo à própria narrativa. Repetindo: ainda.
Mesmo assim, é possível ver uma melhora sensível em relação ao cinema produzido por Poyart, especialmente quando o Rio de Janeiro entra em cena. É quando o filme assume de vez sua trajetória de superação de uma pessoa humilde, precisando ralar um bocado para se tornar alguém na vida. O tema da violência doméstica, bem representado através do semblante sofrido de Claudia Ohana e do sorriso bêbado de Jackson Antunes, fica em Manaus e o filme ganha um forte alívio cômico, especialmente através de ótimas tiradas envolvendo Rafinha Bastos. Vários coadjuvantes carismáticos entram em cena, como Sabará e o dono do bar, assim como Milhem Cortaz e sua característica densidade dramática como o técnico Dedé Pederneiras. Isto sem falar de Cléo Pires como o par romântico de Aldo, que funciona bem por ser ela capaz também de peitar o lutador. Trata-se de um relacionamento entre iguais, fugindo do característico "a bela e a fera" que norteia romances em filmes deste perfil.
Ainda em relação ao elenco, é importante ressaltar o trabalho feito pelo protagonista José Loreto. Apesar de ser um papel mais físico, é possível notar a dedicação do ator não apenas para atingir o porte necessário ao personagem, mas também ao trabalhar as coreografias vistas nas cenas de luta. Trata-se de um trabalho de entrega, que rende um José Aldo bastante convincente ao espectador, cujo mérito é também da preparadora de elenco Fátima Toledo.
Por mais que o trecho carioca de Mais Forte que o Mundo também possua suas estripulias visuais, Poyart consegue inseri-las melhor dentro do contexto geral, utilizando com sabedoria a trilha sonora. Desta forma, há espaço para que o personagem seja melhor desenvolvido, não apenas em relação à sua ascensão como lutador mas também ao trabalhar os demônios internos que provocam tamanha explosão no ringue. Chama também a atenção o contraste social apontado devido à presença constante de Aldo na favela do Vidigal. Por mais que tais motivações não sejam aprofundadas - nem era esta a pretensão do filme -, o convívio de tensões entre favela e asfalto dá ao filme um toque tipicamente carioca, que agrega valor ao longa-metragem.
De estrutura bem parecida com 2 Filhos de Francisco, no sentido de construir uma história de superação a partir de traumas pessoais, Mais Forte que o Mundo possui ainda uma reta final com forte apelo emocional, onde fatos da vida do verdadeiro José Aldo foram reposicionados de forma a potencializar sua história nas telonas (o próprio longa faz este alerta, antes dos créditos finais). No fim das contas, não se trata de um filme de lutas, mas de superação. Por mais que possua várias cenas de ação, a questão maior está na batalha enfrentada pelo jovem José Aldo em superar questões pessoais e também as barreiras sociais e geográficas existentes no Brasil, de forma não a se tornar um astro mundial, mas a conseguir uma melhora que lhe permita ter uma vida digna. Isto Mais Forte que o Mundo consegue, com propriedade. Bom filme, que brilha também pelo elenco coeso e repleto de coadjuvantes marcantes.