Quando quiser ver um filme sobre o nazismo realmente forte, não esqueça de procurar por um diretor russo. E no caso de Andrey Konchalovskiy, seu “Paraíso” flerta duramente com “A Fita Branca”, um trabalho de Michael Haneke que, como de praxe, desafia o espectador a achar um pingo de esperança na humanidade (spoiler: você nunca acha). Infelizmente (ou felizmente) Konchalovskiy não vai tão além, e se rende a um água-com-açúcar em seu final (ainda que sutil). Porém, na sua maioria, é um trabalho denso, complexo, que abusa do ultrarrealismo aplicando na narrativa uma espécie de entrevistas pós-morte dos três personagens principais envolvidos diretamente no status quo da Europa (Rússia, França e Alemanha) naquele momento da história. Os três fornecem interpretações irrepreensíveis, ainda que a atriz que faz a princesa russa seja a mais complexa e multifacetada. O filme lida de maneira crua com o eficientismo da máquina de genocídio nazista, e pouco consegue se ver abaixo da camada social que todos estão vivendo. O pouco que vemos, no entando, deixa escapar um fio de esperança. Mas tudo é muito sutil. Não é um filme para corações fracos. Há cenas que flertam duramente com a existência de monstros no formato de homens. É preciso lembrar, contudo, a atmosfera das coisas naquele momento, onde qualquer tropeço poderia custar a vida dessas pessoas, seja do lado “certo” ou “errado” da solução final. Bem sutilmente, o roteiro de Elena Kiseleva e Konchalovskiy pincelam momentos-chave na estratégia nazista, e ao mesmo tempo estampam um rosto. O uso do p&n e da tela quase quadrada reforça a volta àquela época, além da emulação de defeitos no filme que parece mais distração do que algo legítimo, já que no resto do filme a fotografia é límpida, cristalina, o que nos remete a uma realidade aterrorizante (os filmes p&n têm disso; estranhamente parecem mais reais que os coloridos, pois a imaginação do espectador “preenche as lacunas”, enquanto geralmente cores em filme são estilizadas de acordo com o gosto do diretor). Por fim, Paraíso é quase um drama teatral, mas que pertence a uma produção dilacerante, atordoante, que junta gravações, fotos e vídeos da época com personagens em tempo real. Vá com o coração preparado.