Terror racial
por Lucas SalgadoUma das maiores surpresas da temporada nos Estados Unidos, Get Out é uma adaptação para os cinemas da frase: "eu não sou racista, eu até tenho amigos negros". Todo mundo já testemunhou, seja pessoalmente ou em discussões nas redes sociais, a pessoas justificando comentários ou comportamentos racistas com esta frase. E o filme é sobre isso. Mas não só.
Obviamente, não é uma adaptação oficial, mas busca sim transmitir o espírito de tal sentença. A trama gira em torno de um casal interracial formado por Chris (Daniel Kaluuya) e Rose (Allison Williams). Ele é um jovem negro, ela uma garota branca de uma família tradicional. Os dois aproveitam um final de semana para viajar ao interior para que o sujeito seja apresentado à família dela.
Acostumado com o estranhamento das pessoas, Chris questiona a namorada se ela teria avisado aos pais o fato dele ser negro. Rose responde que isso não era necessário, pois seus pais não eram nada racistas e que seu pai, se pudesse, votaria em Obama por uma terceira vez.
Chegando lá, Chris é aparentemente bem recebido, mas há a constante sensação de estranhamento no ar, aumentada com o fato dos empregados da casa serem todos negros e, pelo visto, bastante reprimidos. Rose também se incomoda com a situação, mas o casal permanece lá no final de semana, que vai receber uma festa da família dela.
Tudo isso acontece nos primeiros 20 minutos de filme, mas não dá para entrar em maiores detalhes sobre a trama sem prejudicar a experiência do leitor. É possível, no entanto, adiantar que trata-se de uma obra muito original e bem sucedida na construção de um clima de suspense e terror. Há momentos realmente tensos.
Escrito e dirigido pelo ótimo comediante Jordan Peele (Key and Peele e Keanu: Cadê Meu Gato?!), Get Out é um thriller muito eficiente, que também conta com ótimos momentos de humor. Tem, é claro, aquele riso nervoso, que nasce em cenas absurdas/surpreendentes, mas também há sequências de alívio cômico, a maioria protagonizada por Lil Rel Howery, que vive um amigo que cuida do cachorro de Chris enquanto ele está fora no final de semana. O amigo também é confidente - via telefone - de algumas das situações que ele está vivendo na casa dos sogros.
Howery faz bem o tipo do amigo sem noção. Um elemento interessante de seu personagem ainda é o fato de ser um oficial do TSA, que é o órgão responsável pela segurança e controle de imigração dos transportes nos Estados Unidos. Trata-se de um órgão bem odiado, pelos transtornos que fazem as pessoas passar em aeroportos. Por causa disso, chega a ser divertido um funcionário do TSA surgindo como uma figura positiva em cena.
Daniel Kaluuya está bem na pele de Chris. Ele consegue passar bem a sensação de estranhamento e nervosismo. Allison Williams surge como uma versão bem parecida de sua Marnie, em Girls, embora mais simpática e menos egocêntrica. Bradley Whitford vive o pai de Rose, enquanto a sempre ótima Catherine Keener interpreta a mãe.
Um filme divertido e que ainda faz pensar ao tratar da questão racial de forma completamente inusitada e quase que subversiva. Dificilmente alguém sairá incólume desta sessão.