O inimigo agora é outro
por Taiani MendesNão há unanimidade de opinião acerca de Sicario: Terra de Ninguém, bastante elogiado por muitos e considerado superestimado na mesma medida. Fato é que o filme de Denis Villeneuve foi indicado a três Oscars, não se destacou nas bilheterias e termina muito bem, sem pedir qualquer sequência. Antes mesmo do lançamento comercial do filme, no entanto, a Lionsgate anunciou outra produção no mesmo universo e a surpresa foi ainda maior quando saiu a notícia de que Emily Blunt era carta fora do baralho.
Três anos depois, eis que chega aos cinemas Sicario: Dia do Soldado, que não reverte a primeira impressão causada pelo projeto. É totalmente dispensável. Sem Villeneuve, quem (tenta imitá-lo) dirige agora é o italiano Stefano Sollima, e o roteiro é novamente assinado por Taylor Sheridan, já íntimo dos personagens Alejandro (Benicio Del Toro) e Matt Graver (Josh Brolin), sicário e oficial da CIA acostumados a unir forças em missões secretas ao sul da fronteira.
Continuação que não o é necessariamente, Sicario 2 não tem qualquer conexão explícita com o longa-metragem anterior para além dos rostos conhecidos e dele independe. Para uma sessão em curva ascendente, o mais indicado seria inclusive ver primeiro esse e depois o de Villeneuve. Solima basicamente busca copiar o trabalho do diretor de A Chegada, emulando os planos de isolamento humano em cenário desértico, o bonito céu do fim da madrugada e a contenção de falas para construção de maciça tensão – exceto nos momentos envolvendo burocratas. Às vezes usada exageradamente, a trilha sonora é a mesma da ação de 2015, composta pelo finado Jóhann Jóhannsson, a quem Dia do Soldado é dedicado.
Se falta de estilo próprio fosse sua grande falha, o filme estaria bem. O problema é que Sheridan perdeu totalmente a mão, desta vez fazendo questão de deixar todas as complexas relações e motivações explicadinhas, se esforçando demais para destacar que seus protagonistas têm coração e abusando de recursos inverossímeis, advindos principalmente de uma subtrama deslocada criada para semear o terceiro longa. O susto inicial, que em 2015 veio do sangue derramado, aqui é ocasionado pela agressiva conexão entre Estado Islâmico, piratas somalis e cartéis de drogas mexicanos. O tom do investimento nos atos terroristas é tão extremo (com gloriosa contribuição da canastrice de Matthew Modine) que o começo é facilmente confundível com uma obra de Clint Eastwood e, apesar da mudança de foco no decorrer da trama, os “inimigos” permanecem apresentados sem qualquer sutileza, seguindo os inconfundíveis estereótipos mexicanos.
Receptor de todas as informações mastigadas, desta vez o espectador não tem uma espécie de representante dentro da narrativa como era a passiva e leiga Kate Macer (Blunt), mas é impossível não se lembrar dela analisando as novas mulheres do cenário, Isabel (Isabela Moner) e Cynthia (Catherine Keener), assim como ela facilmente manipuladas pelos homens ao redor. A cena de Matt incapaz de olhar nos olhos da menina parece ser uma representação do roteirista diante do clamor contemporâneo pelo oposto do que vem fazendo.
O Brasil é brevemente relacionado ao circo numa frase que deve gerar reações nas plateias nacionais, assim como o assustado comentário da personagem de Moner distinguindo policial e militar. Promovido como mais brutal do que Terra de Ninguém, Dia do Soldado é anêmico em termos de ação e violência, mas a afirmação até faz certo sentido considerando os rumos dos menores de idade na história. O futuro será de igual para pior, porém em termos ficcionais a tendência de Sicario é melhorar, já que cogita-se o retorno da personagem de Blunt numa terceira parte. Como ela passou por inegável transformação, um reencontro certamente traria novidades, diferentemente dessa quase repetição do primeiro filme piorada por “conversas com Alejandro” cada vez mais lacrimejantes y otras cositas más.