Vovó também transa
por Taiani MendesDois dos maiores atores da geração nascida na década de 1930 nos Estados Unidos, Jane Fonda e Robert Redford estrelaram dezenas de clássicos, ganharam Oscars e contracenaram três vezes. Número muito baixo considerando a comprovada química dos dois. Nossas Noites, produção original Netflix dirigida pelo indiano Ritesh Batra (Lunchbox), nasceu para unir novamente o intenso casal de O Cavaleiro Elétrico e acabar com a injustificável espera de quase quarenta anos pelo reencontro. Octogenários bastante firmes fisicamente e ativos profissionalmente, eles são a razão do longa existir e certamente o deixam melhor do que seria com outros atores, mas nem mesmo o talento duplo e o charme da reunião são suficientes para livrar o drama romântico da monotonia.
Faltou aos realizadores alguma audácia como a de Addie (Fonda), que vai até a casa do vizinho Louis (Redford) convidá-lo para dormir em sua cama. 100% improvável, 0% indecente, a proposta é feita numa montagem plano-contraplano que não respeita os tempos de reação e prenuncia um terrível descompasso entre os veteranos. Como se a persona falante e cheia de iniciativa que Jane sempre dominou não fosse mais capaz de manter diálogo com o reflexivo e indecifrável sóbrio galã de Robert. Eles parecem em planetas opostos, mas seus personagens estão apenas em diferentes estágios de compreensão da terceira idade.
Baseado no romance homônimo de Kent Haruf, o roteiro de Scott Neustadter e Michael H. Weber (A Culpa é das Estrelas) narra um relacionamento do avesso, começando com a intimidade total de adormecer lado a lado em casa. É uma estrutura interessante, por mais que o amor dispute espaço (e perca) com o drama familiar. É engraçado, para variar, ver a vovó lamentando a visita do netinho - que interrompe suas noites gostosas em boa companhia. A situação que poderia render momentos bem divertidos, porém, acaba se desenrolando sem tanta criatividade para o lado da troca geracional, substituição da tecnologia pela natureza, reeducação à moda antiga - aquilo de sempre. Nossas Noites prega o cuidado (no sentido de zelar pelos seus) colocado acima da paixão. Ser pai, mãe, avó antes de ser amante.
Lembrando os tipos de Descalços no Parque, Addie é a direta e dona da palavra final, enquanto o inseguro Louis preocupa-se com o que os vizinhos falam e se esforça como pode para superar as reservas e seguir a estrela que arrebata seu coração. Apesar do relacionamento incomum que engatam, o momento vai apenas sendo vivido, o passado (especialmente o dele) é o tema absoluto das conversas. Até os filhos dos protagonistas, interpretados por Matthias Schoenaerts e Judy Greer estão ligados ao ontem, o que por fim direciona a trama ao caminho da busca por redenção. Ser idoso é ter todo o tempo do mundo para perder e manter amigos, consertar falhas, reencontrar paixões e descobrir coisas novas. O duro é conciliar tudo isso.
Our Souls at Night, no original, é um elogio ao compartilhamento. Do “como foi o seu dia?” à dor de uma complicada decisão, o que Addie e Louis precisam fundamentalmente é dividir, assim como Jane Fonda e Robert Redford precisavam estar nos mesmos planos mais uma vez. Eles formam trio adorável com o pequeno Iain Armitage (o Young Sheldon) e se complementam formando um casal encantador – como nos anos 1960. No balanço geral, no entanto, parecem atores profissionais trabalhando numa peça de escola, carros de Fórmula 1 numa rua de bairro cheia de sinais e lombadas. Tantos anos de espera e tamanho domínio das artes dramáticas mereciam uma obra mais empolgante. A trilha sonora e o desenvolvimento da história tentam discretamente emocionar o espectador, quando a premissa é de comédia romântica moderninha. Sem imprimir qualquer personalidade, Ritesh desperdiça dois grandes atores num filme que tinha todas as peças para ser memorável e diferenciado, mas revela-se meramente preguiçoso. Praticamente uma ofensa à energia investida pelos veteranos intérpretes.