NISE, GLÓRIA PIRES, ROBERTO BERLINER: PARABÉNS!
O filme é um documento soberbo de um tempo, de combate à apologias "científicas" que promoveram verdadeiros extermínios de seres humanos. Verdadeiros genocídios. O filme é um importante libelo para essa brasileira, reconhecida internacionalmente, responsável pelas mudanças nas terapias para os "loucos", como sempre foram pejorativamente e equivocadamente chamados os "clientes" como ela defendia em seu trabalho no hospital. É também documento de uma biografia de um ser humano que presa por suas convicções políticas e filiações partidárias, era dita "comunista", mas que ao sair da prisão, das possíveis privações, torturas físicas e psicológicas da ditadura do Estado Novo, voltou à ativa sem ódio, sem ressentimentos e foi cuidar de seus clientes. Ah, mas é mais que isso, é a soberba demonstração de como a arte e a terapia ocupacional são poderosas ferramentas para incluir, para incorporar, para "curar", sem a violência da fria ciência lastreada pelas máquinas de morte criadas pela tecnologia. É também, uma poderosa denúncia, de tempos não tão distantes, de práticas ainda reconhecidas nos dias atuais.
No campo da arte cinematográfica o filme é belo, forte, sem se recorrer às facilidades das cenas agressivas, escatológicas e da apologia da denúncia contra a violência. Não precisa. No limite do tolerável, traz o que é fundamental. A emoção e a reflexão sobre os diversos lados dos tratamentos preconizados para os infelizes atormentados da mente. Traz um soberbo, correto, no limite de uma interpretação que não promove o histriônico, sem, contudo ser fria e técnica ao extremo. Gloria Pires, mais uma vez coloca o seu ofício a serviço da arte, a serviço do conteúdo, a serviço de mostrar o personagem que é a maior e melhor coisa de tudo o que se mostra.
E, ainda no campo do filme, somos brindados ao final, surpreendidos positivamente com cenas documentais da própria Nise da Silveira. Isso é como podemos dizer, uma fortuna crítica. Não conheço o diretor, vou pesquisar, saber de outros trabalhos. Confesso ignorância. Mas a direção é soberba. As cenas nas salas e páteos com os "loucos" soltos são de difícil elaboração, mesmo com atores profissionais, que emprestam seu corpo, corações e mentes para desempenhar os verdadeiros clientes.
O roteiro se prende ao essencial, não precisamos saber muito mais sobre o passado da doutora. Apenas que quando ela chega ao hospital e vigorosamente bate da porta de aço, um muro de aço que esconde nas masmorras do hospital as diatribes medicinais que ali se cometiam, já entendemos que aquela mulher está voltando, para realizar um trabalho que foi interrompido. A política, sempre a política infelicitando, obstaculizando, quando a sua missão na verdade é justamente o contrário. Ajudar pessoas, mas nem sempre é assim. Vejam como utilizam a política hoje, no mundo, e em particular em nosso País!
É um filme, não apenas para doutores da loucura, não apenas para iniciados estudantes da mente, mas para cada um dos seres humanos que sabemos, todos temos um pouco de loucura em nossas atormentadas vidas! Bravos! Parabéns! Paulo Antunes (E-mail: pauloantunes@uol.com.br )