Antes fosse 82 minutos
por Renato HermsdorffE se você fosse uma mosquinha que pudesse bisbilhotar os bastidores do desfile de uma renomada escola de samba do Rio de Janeiro? Um prato cheio (para as moscas) e para quem gosta de Carnaval, claro. A câmera de Nelson Hoineff (Caro Francis) e sua equipe faz o papel do inseto, acompanhando - com credencial all access - todos os preparativos da tradicional Portela para a festa de 2015, desde a escolha do samba (em outubro de 2014) à apuração que define o campeão do ano. Um privilégio que este 82 Minutos desperdiça com uma abordagem preguiçosa e parcial.
Para a missão, o cineasta resgatou uma estrutura clássica do cinema documental, aparentemente isenta, que significa abrir mão da narração e até mesmo dos depoimentos diretos para a câmera. As intervenções mais explícitas se dão pelo uso de cartelas, apenas no início do filme, para contextualizar a história; e no fim, para conclui-la.
No meio tempo, a câmera acompanha a gravação do samba-enredo, a feitura das fantasias, os ensaios da comissão de frente, da ala das passistas, da bateria, até a prova de sapado da porta-bandeira. Até aí, apesar do tom didático e pouco original, a obra flui como documento.
Porém, ao retomar duas vezes, às vezes três, os mesmos ensaios, os mesmos preparativos, o longa não só não acrescenta nada em termos narrativos, quanto entedia o espectador com uma duração de cerca de 125 minutos no total (82 é o tempo que uma escola do Grupo Especial do Carnaval do Rio de Janeiro tem para cruzar a avenida no dia do desfile).
Na aparente intenção de se manter isento, o filme desperdiça bons "personagens" – caso da “bafuda” Nilce Fran, chefe das passistas –, que têm tanto destaque quanto qualquer outro membro da escola retratado no filme.
Os tamborins esquentam quando um jornalista acusa a agremiação de ser beneficiada, financeira e indiretamente, pela Prefeitura do Rio – é amplamente sabido que o chefe do executivo da cidade, Eduardo Paes, é portelelense de carteirinha e, no ano em questão, a escola optou por homenagear os 450 anos do município. A reação inflamada da comunidade ao episódio é um dos pontos altos do filme, por destoar do tom protocolar de até então.
O episódio poderia ser uma deixa para contextualizar o Carnaval do Rio em um enredo mais amplo, uma vez que a festa envolve confetes de dinheiro público, serpentinas de grana privada de origem duvidosa, mas 82 Minutos prefere se manter “acrítico”. Situação que muda, no entanto, no encerramento, quando a Beija-Flor é anunciada como a grande vencedora do Carnaval 2015, com um enredo patrocinado pelo ditador da Guiné Equatorial (a Portela terminou em quinto). Só aí o filme adota um claro julgamento de valor.