Uma história de amor
por Bruno CarmeloPelo título deste documentário, e pelo fato de retratar uma das duplas de dançarinos mais famosos da Argentina, o espectador poderia esperar um retrato apaixonado sobre o tango. A dança está presente, é claro, mas o foco é outro, no caso, a história de amor vivida nos bastidores entre Maria Nieves e Juan Carlos Copes. O diretor German Kral poderia ter abordado o tema pelo viés da evolução artística ou pelos tempos históricos conturbados que a dupla atravessou, mas o ângulo é confessional.
Curiosamente, ao falar de uma dupla, O Último Tango elege um único protagonista para guiar a narrativa: é Maria Nieves quem aparece em tela durante três quartos da projeção, fornecendo a sua versão da história, enquanto Juan Carlos Copes, também disponível para entrevistas, é deixado em segundo plano. A assimetria, ou o fato de o projeto tomar posição a favor dela em relação a ele, pode incomodar, mas Kral nunca pretende fazer um retrato distanciado dos dançarinos. Estamos no teor das conversas entre amigos, com Maria Nieves revelando à equipe, de braços dados, os segredos da época de fama.
Os melhores momentos são aqueles em que ambos os artistas refletem sobre a passagem do tempo. Com 80 e 83 anos, eles comentam melancolicamente o fato de que o corpo, principal instrumento de trabalho, não permite mais dançar como antigamente. Caso quisessem executar outra atividade, não saberiam fazê-lo, porque dedicaram a vida inteira a um único ofício. Assim, vão viver e morrer como dançarinos de tango, mesmo quando não puderem mais dançar. Ambos ainda dão seus passos em pequenos shows e homenagens, vivendo do prestígio de seus nomes.
As cenas de dança ganham um tratamento menos interessante. Kral faz a escolha justificável de reencenar os encontros de Maria e Copes, a partir das falas dela, com atores e dançarinos jovens. O Último Tango assume a estrutura da metalinguagem, colocando Maria para dirigir os atores (“A gente dançava mais perto”, ela corrige; “Você não estava olhando nos olhos dela”, aponta ao dançarino), e Kral faz o que pode para diversificar o registro, incluindo danças com cordas, danças nas ruas e ensaios numa academia. O cineasta também coloca os dançarinos/atores jovens para discutir sobre a composição dos personagens diante das câmeras do documentário, em estilo talvez artificial, mas interessante do ponto de vista da criação artística.
A ideia de retirar o tango dos palcos para levá-lo a galpões e pontes pode lembrar o excelente Pina, de Wim Wenders - que atua como produtor executivo deste projeto - mas sem o refinamento estético do alemão. O documentário ostenta uma produção cheia de recursos, entretanto cada cena de dança é filmada em estilo diferente, com movimentos de câmera distintos, ora recriando os depoimentos palavra por palavra, ora buscando imagens livres e não referenciais. O resultado é uma cacofonia: os sons se atropelam enquanto as encenações contrastam com o peso do material de arquivo.
Embora não seja um bom filme sobre dança, O Último Tango se destaca pelo aspecto humano. Nos momentos em que Maria e Copes deixam de ser pessoas famosas para se tornarem dois idosos quaisquer, a narrativa adquire tons universais. Divorciados, após muitas brigas e traições, eles ainda falam com carinho um do outro, enquanto ela reflete sobre a dor de estar solitária em fim de vida. O documentário perde a oportunidade de se aprofundar em aspectos sociais flagrantes nos depoimentos - como o machismo da época, relegando Maria ao papel de posse de seu futuro marido. Mesmo assim, quando a equipe se senta à mesa, conversando com a grande dançarina como quem recebe um bom amigo em casa, o resultado é notável.