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    Kiki - Os Segredos do Desejo
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Kiki - Os Segredos do Desejo

    Fetiche tem limite?

    por Bruno Carmelo

    Você sabia que algumas pessoas ficam excitadas sexualmente ao ver alguém dormindo? Que outros só chegam ao orgasmo se o parceiro estiver chorando? Sabia que é possível se excitar apenas esfregando um tecido, e que algumas pessoas precisam simular estupros para terem prazer? Já ouviu falar em práticas sexuais envolvendo plantas, estátuas, bichos de pelúcia? Uma parte considerável da comédia espanhola Kiki – Os Segredos do Desejo fornece um catálogo de fetiches alternativos àqueles mais difundidos, como o voyeurismo, o sexo grupal e o sadomasoquismo.

    Estes prazeres pouco habituais são apresentados em esquetes separadas, interpretadas por pessoas jovens, belas, brancas e de classe média em Madri. A estrutura é convencional: apresentando as histórias em paralelo, o filme faz com que todas as tramas introduzam o mesmo problema no início (uma pessoa não consegue realizar os seus desejos), com um desenvolvimento simultâneo (todas levam suas práticas ao limite, arriscando seus relacionamentos amorosos) e um mesmo desfecho, otimista e coincidente. O discurso é unívoco: pode ser difícil manifestar fetiches minoritários, mas todo desejo vale a pena contanto que exista amor.

    A intenção é louvável e supostamente progressista, mas não deixa de incomodar por sua ingenuidade. Em nome do lema “paz e amor”, a comédia de Paco León permite que os personagens cometam atos execráveis, como o estupro conjugal e maus-tratos a animais. Essas cenas são filmadas com as mesmas cores pastéis e ritmo divertido dos demais momentos. No final, todos são desculpados porque agiram em nome do amor, já que os fins aparentemente justificam os meios. Em nome do prazer individual, sucessivas demonstrações de manipulação e abuso são toleradas no relacionamento. Kiki – Os Segredos do Desejo é um filme dos nossos tempos pós-modernos, no qual o prazer do indivíduo encontra-se acima do interesse do casal.

    Para um filme abordando sexo como tema principal, a direção é bastante casta. Metáforas visuais – frutas fálicas, pêssegos representando vaginas, picolés respingando à altura da virilha – se encarregam do aspecto lúdico. No entanto, consequências realistas da prática sexual (as angústias dos personagens antes e depois do ato, as dúvidas, o medo) estão ausentes: a complexidade psicológica é eliminada em prol de uma abordagem solar, meio pueril, na qual cada tipo em cena existe acima de tudo para ilustrar um fetiche. Neste sentido, as boas atuações de Ana Katz, Natalia de Molina e Belén Cuesta são pouco aproveitadas, já que as personagens nunca ultrapassam seu caráter funcional dentro da trama.

    Como comédia, o resultado diverte, porém o humor buscado é aquele do incômodo: são filmadas com grande estranheza as cenas em que Paco (o próprio diretor, Paco León) aceita que outro homem urine em seu peito, ou quando Alexandra (Alexandra Jiménez) tem um orgasmo solitário na estação de metrô, após esfregar o colarinho da camisa de um anônimo no vagão. Embora afirme que toda forma de prazer é aceitável, Kiki não deixa de transparecer o deboche por práticas incomuns. Existe pouca adesão com os personagens: rimos por sermos tão diferentes deles. Entre tolerância ao estupro e desprezo por fetiches, o resultado revela um evidente conflito ideológico. Tudo isso em nome do imperativo da leveza e do final feliz.

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