Metropolis é a gênese da ficção científica. Se o curta-metragem Viagem À Lua de George Méliès (1902) é considerado o primeiro filme do gênero, a despeito de sua atmosfera muito mais lúdica e sua pouca preocupação com continuidade e proporção, foi Metropolis que estabeleceu conceitos a serem utilizados posteriormente, por incontáveis filmes que também se tornariam, a seu tempo, clássicos absolutos. A concepção visual deste longa alemão de 1927 constitui um valiosíssimo relicário de imagens, e uma das maiores fontes de inspiração da história do cinema, da qual beberam não apenas o gênero ficção científica, mas também a aventura, os filmes catástrofe e o terror, como veremos adiante. Contudo, não é apenas pelas imagens que Metropolis ganhou toda essa importância. Legítimo expoente do expressionismo alemão, e realizado em plena depressão pós I Guerra Mundial pela qual o país passava na época, esta obra distópica dirigida por Fritz Lang e escrita por ele em parceria com sua esposa, imagina um futuro pessimista e, veja só, recheado de itens familiares ao nosso presente. Este ambicioso filme, uma superprodução para a época, é um manifesto – um dos primeiros da Sétima Arte – às diferenças de classes e à opressão em prol da industrialização. O roteiro encontra espaço ainda, por meio de simbolismos, para fazer alusões ao sagrado e ao profano.
Na história, vemos a iluminada e glamorosa Metropolis ocupada pela elite em sua superfície, e pelos operários nos subterrâneos. São os habitantes ‘de baixo’ que sustentam a cidade – operando as angustiantes máquinas que geram a energia – em exaustivos turnos de 10 horas. O que os motiva é a profecia da chegada de um mediador que apaziguará os ânimos entre as classes, promovendo soluções pacíficas, visando o bem para ambas as partes. Freder, o filho do dirigente da cidade Joh Fredersen, acaba conhecendo Maria. É ela quem diz palavras de conforto e esperança ao povo oprimido das profundezas. Encantado por ela, o jovem vai até as catacumbas subterrâneas e conhece o triste cotidiano daquele povo. Freder e Maria se envolverão, e buscarão uma solução para aquela situação. Ocorre que Joh quer impedir uma possível revolta dos operários, e para isso contará com a ajuda do 'cientista maluco' Rotwang, que constrói um androide e o faz ficar com a aparência de Maria, que deveria convencer os trabalhadores a não se rebelarem. Joh não contava, porém, que Rotwang tivesse os seus próprios interesses. O inventor programa o androide para atiçar ainda mais a plebe inconformada a invadir a superfície, abandonando as máquinas, o que provocará um verdadeiro colapso em toda a estrutura urbana da gigantesca cidade, que amargará uma série de desastres geológicos sem precedentes. Conseguirão Freder e Maria reverter essa trágica e tensa situação?
Devido à nossa bagagem cultural e noticiosa de espectadores do século XXI, podemos constatar no decorrer da projeção curiosos exemplos de que a arte, além de inspirar a própria arte, também imita a vida. O chefe dos trabalhadores visto no filme, devido à coincidência de sua aparência e seu cargo, invariavelmente nos remete a um certo líder sindical que o Brasil passou a conhecer muito bem desde os idos da década de 1980 pelo nome de Luís Inácio Lula da Silva. E quando os trabalhadores e suas esposas largam seus lares subterrâneos à beira do colapso causado pela pane das máquinas, e invadem a superfície, deixando suas crianças para trás (!), isso não seria um embrião para a trama da comédia Esqueceram de Mim (1990)? Quanto ao cenário urbano-futurista da cidade, com seus imensos arranha-céus e viadutos entrecortando o ar, ele já foi reproduzido em inúmeras outras obras. E a cena mais famosa do longa, em que o androide assume as feições de Maria, serviu como base para praticamente todas as versões cinematográficas ou televisivas da história de Frankenstein, bem como de várias outras derivações em que identificamos facilmente o cientista louco, um corpo inerte, fios, cabos e tubos de ensaio em volta do cenário sombrio e uma chave de força que liga a energia que, por sua vez, desencadeará uma série de 'efeitos visuais' representando raios-laser circulares em volta do humanoide que, enfim, ganhará vida. Sim, durante vários momentos de Metropolis, não é difícil pensarmos: “eu já vi essa cena em algum lugar...”
É claro que, aos nossos olhos, acostumados com os mais avançados efeitos visuais que a computação gráfica proporciona hoje em dia, a experiência de ver Metropolis pode causar involuntários momentos de riso. Entretanto, uma incontável quantidade de filmes que estão em nossas memórias, dos quais tanto gostamos, em algum momento tiveram um ou mais conceitos absorvidos dessa obra icônica de Fritz Lang. Não é exagero, portanto, afirmar que Metropolis foi o alicerce para que os pilares da ficção científica fossem erguidos, estabelecendo o gênero de vez como um dos mais rentáveis e lucrativos da história do cinema.
Finalmente, antevendo a futura frieza que obras similares adotariam nas décadas seguintes (antes que o clima de aventura voltasse com tudo em 1977 com Star Wars), a frase escrita no último intertítulo de Metropolis ganha um sentido metafórico voltado para si mesmo, nos fazendo lembrar do item essencial e indispensável para qualquer obra cinematográfica. Entre o cérebro e as mãos utilizados para a realização de um bom filme, sempre deverá existir um coração.