Bem-me-quer, mal-me-quer
por Francisco RussoHong Sang-soo é um diretor que tem uma assinatura cinematográfica muito própria, com características perenes ao longo de sua carreira: a câmera estática e com poucos movimentos, o humor provocado através do diálogo em situações inesperadas e uma certa liberdade de formato que lhe permite ousar na narrativa. É o que acontece neste Certo Agora, Errado Antes, cujo título é uma representação literal do que acontece no decorrer do longa-metragem.
Explica-se. Dividido em duas partes, Sang-soo basicamente recria a história a partir de sua metade, com ligeiras modificações. A intenção do diretor é causar o famoso efeito borboleta, mostrando como pequenas mudanças de postura ou de resposta alteram drasticamente a continuidade de um enredo. Uma proposta até mesmo simples, mas ao mesmo tempo ousada, por mexer na estrutura clássica de um longa-metragem. Inclusive, é bem provável que o reinício da história surpreenda muitos espectadores, ao menos aqueles que não saibam de antemão de tal truque narrativo.
No mais, Sang-soo adota sua já conhecida linha narrativa, onde a vida segue de forma naturalista, sempre observada através da lente. Desta vez é possível acompanhar um consagrado diretor de cinema, que chega à cidade sul-coreana de Suwon para ministrar uma palestra. Um dia antes do evento, ele encontra uma artista e passa a paquerá-la, com resultados distintos. É neste ponto que a proposta implementada pode ser observada em sua sutileza, comparando um trecho ao outro de forma a avaliar as mudanças feitas e suas consequências.
Com uma trilha sonora suave e personagens cativantes, Certo Agora, Errado Depois funciona não apenas como exercício de linguagem, mas também como análise pessoal sobre a importância da honestidade no dia-a-dia. Destaque também para a cutucada dada aos críticos arrogantes e às respostas tão distintas, e tão importantes, sobre como definir cinema.
Filme visto no 17º Festival do Rio, em outubro de 2015.