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    O Futebol
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    O Futebol

    Os dias com ele

    por Bruno Carmelo

    Este filme constitui um projeto único dentro do saturado subgênero dos documentários autobiográficos. Ao invés de usar o cinema como forma de terapia com o pai, o diretor Sérgio Oksman faz do registro visual uma forma minimalista de aproximação. Conhece-se pouco sobre os personagens ao longo do filme, e ainda menos sobre os motivos que levaram a mais de 20 anos de separação entre eles. Mas por traços ínfimos - eles não se tratam por pai e filho, por exemplo, e sim pelos nomes Simão e Sérgio - chega-se a uma forma de cinema que pretende menos apreender uma realidade do que representá-la.

    O Futebol é um projeto de miudezas. Os dois homens aceitam se encontrar quase todos os dias durante a Copa do Mundo de 2014, para compartilhar a única paixão que possuem em comum: o futebol. Essa desculpa para passarem tempo juntos leva Oksman a filmar seus encontros com o pai como quem observa, de longe, algo que não deveria estar sendo gravado. Dentro do carro, a câmera fica no banco de trás, mostrando a dupla de costas; nos bares onde assistem aos jogos, eles se sentam em balcões opostos. Os dois são próximos e distantes, assim como a câmera em relação a Simão. Existe um respeito de quem não quer forjar uma intimidade ainda não conquistada.

    Os encontros são pautados pelo jogos de cada dia, mas nunca se vê uma partida sequer ao longo de toda a projeção. A Copa do Mundo serve como passagem do tempo, e neste sentido a direção trabalha o silêncio com maestria. Enquanto o É Tudo Verdade 2016 esteve repleto de produções com trilha sonora decorativa e excessiva, O Futebol, um dos melhores representantes do festival, acredita na capacidade poética das imagens, nos significados contidos em cada instante de desconforto entre pai e filho.

    Aliás, que imagens belíssimas: Oksman possui um olhar melancólico e hopperiano na construção de enquadramentos, valorizando os espaços vazios, os olhares furtivos. As imagens noturnas das ruas durante os jogos de futebol são primorosas, assim como pequenas cenas banais dos funcionários torcendo pela seleção brasileira em um bar. O pai, nestes lugares, demonstra uma sociabilidade e um senso de humor que não possui com o filho. Ao lado de Sérgio, ele se torna rabugento e avesso às conversas sobre o passado. O mal-estar é evidente, e diz muito mais do que qualquer narração explicativa ou cartela poderia indicar.

    O projeto se transforma quando a saúde de Simão piora durante a Copa do Mundo. Os planos de acompanhar todos os jogos juntos devem se acomodar a esta realidade. Neste momento, Oksman filma a rotina nos hospitais com um pudor e um respeito admiráveis. O primor estético permanece, assim como o uso do som - o famoso 7 x 1 contra a Alemanha jamais foi tão bem retratado - mas existe um limite autoimposto pela direção no retrato do pai doente, no lento afastamento da figura paterna devido à doença. Assim, em silêncio, sozinho pela primeira vez em cena, mas ainda de costas, o diretor retrata sua tristeza.

    O Futebol é um projeto excepcional por sua preocupação humana, estética e cinematográfica. As cenas são ao mesmo tempo criativas e banais, as falas são ao mesmo tempo riquíssimas e lacônicas. Ali, no impasse das palavras e das imagens, nos significados fora de quadro e fora do som, o diretor constrói uma belíssima homenagem ao pai, à sua própria história e ao poder das imagens.

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