Um filme luso-brasileiro no qual a língua menos falada é o português, em que uma das ‘peças’ do título apresenta-se apenas mais ao final, e com uma mistura quase lisérgica entre realidade e encenação. Como se não bastasse, ainda possui uma aparente falta de propósito certo ou tema central: assim é Olmo e a Gaivota, um filme que a depender de como for descrito pode parecer estranho ou simplesmente curioso. Ao assisti-lo, porém, fiquei certo: estranheza não é a marca dessa produção, assim como os idiomas são meros detalhes, descobri com prazer o quê/quem seria o tal Olmo, diverti-me com a mistura entre o real e o imaginário — e, sim, há mais de uma mensagem, e elas se conectam sem confundir, pois uma leva à outra.
Baseando-se num casal de atores, a história tem como pano de fundo outras tramas, numa sobreposição da realidade sobre as cenas teatrais que por vezes torna-se uma (con)fusão, num jogo quase esquizofrênico — que não chega a tanto, porém — que deve divertir e intrigar a quem assistir. A principal dessas histórias de fundo, como pode-se logo notar, é um enredo de Tchekov (daí a Gaivota do título), repleta de movimento e provocadora de grande entusiasmo entre os atores protagonistas e seus amigos/colegas. A agitação d’A Gaivota e seus ensaios e a ansiedades dos atores é, no entanto, substituída por uma calmaria. Uma calmaria tensa, com outro tipo de ansiedade e uma angústia que aflora de forma abrupta e até então encontrava-se adormecida sob as alegrias do sucesso da produção teatral e de uma gravidez.
Ainda assim, não é um filme para angustiar-se pura e simplesmente. Na verdade é um filme sobre identidade, maternidade e o começo de uma nova história — ou seria mais um capítulo? Por mais que nos afundemos em uma história ficcional, seja como ator/atriz; seja como espectador, não nos tornaremos um de seus personagens. Assim seu filho, por exemplo, não será filho de um Super Homem e uma Mulher Maravilha, ou uma Jessica Jones e um Demolidor ou, para ficar no exemplo da peça de fundo do filme, Arkádina e Trigorin. Da mesma forma, o papel de um pai e de uma mãe não resumem-se a ir trabalhar pra lá e pra cá, ausente de casa ou sentar e esperar as contrações mais frequentes, lamentando-se pelas perdas de trabalho ou de vida social. Poderia ter dito aquele filósofo: “Conhece a ti mesmo e saberás quem é o pai/a mãe de teu filho” — e esta é a grande mensagem de Olmo e a Gaivota.
PS: o filme tem nudez. Se tiver problemas com isso, considere-se avisado.