Bienvenido a Cuba
por Francisco RussoRaros são os filmes que, acima de qualquer história, conseguem captar a alma de um povo. Esta proeza é alcançada pelo diretor Fernando Perez em seu novo filme, Últimos Dias em Havana, onde retrata das dificuldades financeiras ao jeito despojado dos cubanos, reflexo não só da alegria e musicalidade locais mas, também, das restrições às quais lidam dia após dia. É a partir de um mosaico variado de personagens que o diretor apresenta Cuba como ela é, com uma textura tão envolvente que faz com que o espectador inevitavelmente seja tragado para tal realidade.
A história, por sua vez, é centrada em dois personagens tão antagônicos quanto dependentes. Se Miguel é o "homem sem sangue nas veias", absolutamente sisudo e sem emoções, Diego é tagarela e sedutor, por mais que esteja preso à uma cama. Um trabalha sonhando com a chance de migrar para os Estados Unidos, o outro vive na luta diária contra a AIDS. É interessante notar como, por mais que tenham características tão distintas, o roteiro escrito pelo próprio diretor em parceria com Abel Rodríguez elabora uma teia que une o passado de ambos sem propriamente revelá-lo ao público. No fim das contas, não importa. À narrativa basta o forte elo que os une, o resto fica a cargo da imaginação do espectador.
Metaforicamente, Miguel e Diego representam a dualidade existente no povo cubano, sintetizada no cortante discurso final proferido por outra personagem. Se Miguel carrega uma melancolia que o impele para fora da ilha, buscando uma vida melhor em outro país, Diego tem uma fome de viver impedida pela saúde deteriorada. São personagens complementares que, juntos, seguem em frente na medida do possível, lidando com a infelicidade que os consome. É neste espaço vago que entram em cena diversos coadjuvantes, com cores e cheiros bem particulares, retratando a pluralidade existente no povo cubano. Alguns deles apaixonantes pela personalidade, como Yusisleydis (a ótima Gabriela Ramos), ou pelo lado espirituoso, como P4 (o carismático Cristian Jesús Pérez).
Com diálogos deliciosos, Últimos Dias em Havana pouco a pouco cativa o espectador rumo a um mundo repleto de problemas e, ainda assim, tão rico em vida e prazeres. Capitaneado pelas ótimas atuações de Patricio Wood e Jorge Martinez - intérpretes de Miguel e Diego, respectivamente -, o elenco comandado por Fernando Perez traz ao filme uma dinâmica de personagens não só envolvente, mas que também entrega uma textura da realidade impressionante. São personagens vivos, que sentem e sofrem, tentando esconder os problemas para levar a vida sem deixar de lado características tão latinas quanto a paixão e a explosão. Além disto, o filme ainda traz um sutil subtexto político em seu discurso de encerramento e a pérola "Chupa Piruli", uma canção tão brega quanto grudenta que surge em uma divertidíssima sequência no mercado. Ótimo filme.
Filme visto no 27º Cine Ceará, em agosto de 2017.