Há muita coisa a ser dita sobre “Aquarius”. O segundo longa de ficção do já cultuado diretor Kleber Mendonça Filho (O Som ao Redor) é uma obra excepcional, porém não perfeita.
O filme tem diversos pontos altos. Direção, roteiro, fotografia, atuações. Mesmo assim, o ritmo e o clima de tensão são os sobressalentes quando comparamos ao primeiro longa do diretor. Neste, o produto final é mais comercial, um tanto demagógico, mas de qualidade.
Clara (Sônia Braga), uma senhora beirando os 70 anos, com os três filhos criados e o marido falecido. Sozinha em um apartamento, conta apenas com a companhia da empregada doméstica Ladjane (Zoraide Coleto). O conflito inicia quando ela se recusa a vender, por motivo sentimental, o apartamento que vive desde a juventude.
O interesse é da Bomfim Engenharia, a empresa que comprou todos os demais apartamentos do prédio, com exceção do de Clara. O objetivo da construtora é demolir o edifício Aquarius e construir o Novo Aquarius, mais moderno, tecnológico e “seguro”. A figura que representa a Bomfim é Diego (Humberto Carrão), um jovem que acabou de se formar nos EUA e está de volta ao Brasil para assumir o projeto.
Novamente comparado a “O Som ao Redor”, “Aquarius” é rápido e prende quem assiste ao longo das suas 2h30. Os planos são, em maioria, curtos e os cortes bruscos.
O roteiro é dividido em 3 partes. A primeira, conta um episódio da juventude de Clara, o aniversário de sua tia. Este período é usado para contextualizar a personagem, apresentando Clara como uma mulher de personalidade forte, que lutou contra e venceu um câncer quando tinha em torno de 34 anos. O capítulo também justifica seu amor nostálgico pelo apartamento, carregado de memórias, e que as cenas sugerem ser uma herança da família da personagem.
A segunda e a terceira contam, respectivamente, sobre a vida amorosa e sexual de Clara e sobre a doença que à oprime na atualidade, ou seja, a construtora.
A direção inova abusando de zoom ins e zoom outs, revelando e escondendo partes do quadro não tão comumente observadas. A trilha é composta quase que em totalidade por música popular brasileira. Clara se mostra uma grande apreciadora de Heitor Villa-Lobos, Maria Bethânia, Lupicínio Rodrigues. E convida quem assiste a ouvir os clássicos junto dela, deixando a extradiegese para poucas exceções.
Uma das principais riquezas da subjetividade de Aquarius está na tensão instaurada pelo diretor. Ninguém é capaz de afirmar com certeza, do que Diego e seus dois ajudantes são, ou não, capazes de fazer para alcançar seus objetivos.
Qualidades técnicas e narrativas são inegáveis em Aquarius. As atuações complementam vigorosamente a totalidade da película, fazendo-se acreditar que não existiriam outros atores capazes interpretar os tais personagens.
Contudo, o filme conta com críticas e tramas paralelas não aprofundadas. Tais defeitos particulares não alteram seu brilhantismo e o dilema é definido por um trecho de uma das músicas de Clara.
“Toda menina baiana tem
Um santo que Deus dá
Toda menina baiana tem
Encantos que Deus dá
Toda menina baiana tem
Um jeito que Deus dá
Toda menina baiana tem
Defeitos também que Deus dá”
“Toda Menina Baiana” de Gilberto Gil.