Exercício narrativo
por Lucas SalgadoUm dos grandes nomes da história do cinema italiano, o diretor Marco Bellocchio traçou toda sua trajetória cinematográfica focada em três temas principais: fé, família e política. Foi assim em obras marcantes como De Punhos Cerrados, Bom Dia, Noite, Vincere, no ainda inédito Belos Sonhos e no premiado Sangue do Meu Sangue.
Vencedor do prêmio da crítica no Festival de Veneza de 2015, Sangue del mio sangue (no original) se assemelha a outros filmes do diretor. Mas, ao mesmo tempo, é um ponto fora da curva. Explico: da mesma forma em que o cineasta investe pesado no tema da religião e da fé, ela também busca uma história mais fantasiosa, algo raro em sua filmografia.
No século XVII, um padre cede aos encantos de uma freira. Ele comete suicídio e para que seja enterrado em solo sagrado, seu irmão Federico e membros da igreja tentam fazer com que a freira confesse estar possuída pelo demônio. Já nos dias de hoje, outro Federico chega à cidade e descobre um misterioso conde que ali habita, mas que só aparece à noite, levantando suspeitas de ser um vampiro.
Sangue do Meu Sangue é, antes de tudo, um exercício narrativo, contando duas histórias completamente diferentes em um mesmo cenário. É interessante notar as diferenças, especialmente no que diz respeito ao tom. Se no século XVII, temos um ambiente suntuoso e imponente, nos dias atuais temos quase uma tragicomédia investigativa. São dois filmes em um só.
Neste sentido, a absorção do filme acaba funcionando mais como curiosidade. Como obra fechada, são duas tramas muito diferentes entre si. Não pertencem ao mesmo universo. Como espectador, é interessante absorver este choque, mas vale mais pela experiência do que pelo desenvolvimento narrativo.
Com 106 minutos de duração, o longa oferece muito mais quando foca sua atenção no século XVII e no debate sobre fé. Piergiorgio Bellocchio faz um bom trabalho como Federico, mas quem rouba cena mesmo é a bela Lidiya Liberman, que vive a freira pecadora Benedetta. A atriz tem uma forte presença em cena. É ao mesmo tempo sagrada e sedutora, passando bem a ideia de pecado e sagrado.
A cidade de Bobbio e seu mosteiro - que, na verdade, é uma prisão antigo - é quase que uma protagonista da história. Cabe destacar ainda a bela trilha sonora da produção, principalmente o incrível uso da clássica "Nothing Else Matters", do Metallica, numa versão inesquecível que não vai sair da cabeça.