O espírito comunitário
por Bruno CarmeloO jovem diretor Daniel Burman tem construído uma carreira irregular: após o grande sucesso de O Abraço Partido (2004), experimentou vários tons de comédias dramáticas, conquistando menos sucesso quando pende para o humor (A Sorte em Suas Mãos, O Mistério da Felicidade) do que quando pende para o drama. Felizmente, o estilo dramático de O Abraço Partido retorna em O Décimo Homem, produção com a qual estabelece claro parentesco, tanto pela figura do protagonista – um homem solitário com traumas paternos – quanto pelo retrato da cultura judaica nos bairros populares da Argentina.
Nesta nova trama, Ariel (Alan Sabbagh) é um economista sem contato com a família há anos, decidindo visitá-los para apresentar a nova namorada. Mas por problemas profissionais, a namorada não vai, e quando chega, o pai não está presente. Mesmo à distância, é a figura paterna que faz girar a história. Usher, um homem idoso respeitado na comunidade judaica do bairro Once, distribui objetos e alimentos aos moradores carentes da região, além de resolver problemas de hipotecas, despesas de hospital e outras necessidades dos vizinhos. Ele dá ordens ao filho por telefone: pede para visitar um jovem doente, para cuidar de um apartamento vazio...
A lógica proposta por Burman é muito simples: ao retirar de Ariel o único propósito de sua viagem (ele não pode nem apresentar a namorada, nem ver o pai), o roteiro obriga o protagonista a andar aleatoriamente pela cidade, à espera de definições. Assim, o diretor consegue explorar tanto a solidão do personagem quanto a alegre vida no bairro: ao mesmo tempo em que Ariel expressa em poucas palavras os problemas com a namorada e o rancor em relação ao pai ausente, os moradores de Once inundam seus dias com barulhos, pedidos, gritos, lembranças. Os diálogos são magníficos, repletos de banalidades que servem muito bem a retratar as personalidades e a cultura local.
As atuações contribuem para o sucesso do projeto. Alan Sabbagh, de olhar perdido e gestos hesitantes, transmite com perfeição a insegurança de Ariel, enquanto tipos hilários e comoventes transitam ao seu redor: a religiosa ortodoxa (Julieta Zylberberg, excelente mesmo em silêncio), o excêntrico Marcelito (Uriel Rubin), a eficiente Susy (Elvira Onetto). Todos são peças essenciais ao funcionamento desta comunidade judaica aparentemente caótica, mas que se mantém muito bem com a estrutura à base de improvisos. O único deslocado é o protagonista que, como um alter-ego do diretor, enxerga a cultura alheia com estranhamento, mas respeito e interesse.
O Décimo Homem é tecnicamente admirável por sua fotografia simples, mas bem construída – especialmente nas cenas de jantares à noite –, pelo roteiro enxuto e a montagem precisa. Burman não estica essa fábula para além do necessário, tendo consciência da pequeneza de sua história. A defesa da religião e dos valores familiares a qualquer preço pode ser contestada, já que o filme lentamente transforma Ariel no novo “rei de Once”, o novo faz-tudo da comunidade. A conclusão também soa forçada e previsível, mas carrega aquele germe de otimismo que o diretor tem empregado em todas as suas obras: Burman sempre acredita na possibilidade de união. Mesmo assim, a obra é competente no retrato das comunidades locais como organismos vivos, com suas regras próprias e uma cultura idiossincrática preciosa.