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    Irrepreensível
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Irrepreensível

    A vida de outra mulher

    por Bruno Carmelo

    Constance (Marina Foïs) está numa fase complicada da vida. Aos 40 anos de idade, acaba de perder o emprego de corretora de imovéis em Paris e não consegue manter seu apartamento. A solução é voltar para a vida indesejada de seu passado, numa cidadezinha de interior, cuidando da mãe idosa. Impecavelmente vestida, esta mulher não se deixa abalar: ela pega as malas, salta num trem e espera reencontrar o vilarejo exatamente como o conhecia, recuperando o antigo emprego numa imobiliária e conquistando mais uma vez o namorado de juventude.

    No entanto, existe um problema: o cargo disponível na empresa foi preenchido por outra corretora, uma mulher mais nova e mais bela do que Constance. A partir deste momento, Irrepreensível desenha-se como uma trajetória de obsessão. A inimiga representa tudo que a protagonista sonharia ser, tornando-se ao mesmo tempo sedutora e repulsiva. Constance detesta e adora esta garota, ama e odeia o ex-namorado Philippe (Jérémie Elkaïm). De certo modo, o retorno ao interior lhe parece fácil, pois ela conhece as pessoas, as experiências, e tudo parece facilmente controlável para uma mulher que morou na cidade grande, mas também difícil, por se tratar de uma mudança vergonhosa, uma espécie de confissão de seu fracasso social e profissional.

    O suspense funciona graças à fascinante personagem principal. Cada detalhe do roteiro, da direção de arte e da atuação é minuciosamente pensado para desenhar uma figura contraditória, potencialmente violenta. A aparência arrumada demais quando busca trabalho contrasta com as camisetas antigas que Constance gosta de vestir em casa; a postura possessiva com os homens se opõe ao desinteresse que manifesta por cada um deles. Ela é uma personagem ao mesmo tempo frágil em seu equilíbrio emocional e forte nas convicções, de fala vulgar quando contrariada, mas pedante quando deseja agradar. Constance possui tantas facetas, tantas máscaras, que fica difícil descobrir quem realmente é.

    Esta ambiguidade fundamental é construída à perfeição por Marina Foïs. A atriz está em pleno domínio de seu corpo, sua voz, seus olhares, evitando o retrato de uma psicopata execrável aos olhos do público. É possível se espantar com a perseguição à concorrente Audrey (Joséphine Japy), mas também sentir pena da mulher solitária, abandonada pelo sistema. Os melhores vilões do cinema sempre foram aqueles dotados de contradições, com uma construção psicológica profunda - como é certamente o caso desta trama.

    O diretor Sébastien Marnier decide colar a câmera à protagonista do início ao fim, construindo cenas lúdicas e assustadoras (a nudez nos azulejos de casa) e momentos que poderiam ser banais, mas adquirem teor de ameaça dentro da história (o banho na casa de Audrey). O enquadramento em scope é preciosamente utilizado, enquanto a fotografia transita de modo harmonioso entre os tons do terror e aqueles mais amenos do drama social. A previsibilidade intrínseca à premissa, no entanto, pode incomodar: é fácil antecipar a atitude de Constance no clímax, e quando o ato realmente acontece, talvez o impacto não seja tão grande quanto se poderia esperar. A trilha sonora, insistindo no suspense desde a primeira cena, também anuncia momentos que poderiam se privar da redundância som-imagem. Mesmo assim, Irrepreensível constitui um ótimo suspense psicológico, baseado em reviravoltas plausíveis e numa construção impecável da personagem principal.

    Filme visto online no My French Film Festival 2017.

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