Melodrama religioso
por Francisco RussoA diretora Patricia Riggen se especializou na arte de contorcer narrativas de forma a torná-las o mais melodramático possível. Assim foi com Os 33, que narra a saga dos mineiros chilenos presos embaixo da terra, assim também é em Milagres do Paraíso, seu novo trabalho. Desta vez quem irá sofrer bastante é Christy Beam, mãe da pequena Annabel, que repentinamente se vê com uma grave moléstia intestinal, incurável.
Diante de tal panorama, a diretora não pensa duas vezes antes de aplicar seu arsenal de "truques para fazer chorar": trilha sonora carregada, cenas de sofrimento da garota (quem resiste a uma criança com dor?) e uma protagonista que até dá conta do recado. Sim, é verdade, Jennifer Garner consegue transmitir o desespero latente de uma mãe ao ver sua cria piorando a olhos vistos. Só que, mais do que um mero drama médico, este é também um filme religioso e, com isso, abre-se espaço para uma nova leva de clichês: fotografia solar, pessoas bem intencionadas, belos cenários e um certo questionamento à fé. Só que, é importante ressaltar: são momentos diferentes de um mesmo filme.
Por mais que seja absolutamente previsível, a luta por Annabel tem seus méritos no sentido da luta pela sobrevivência. O desenrolar da doença até seu agravamento é apresentado de forma bem didática, no melhor estilo dos filmes de auto-ajuda onde o personagem precisa ir ao fundo do poço para então emergir. Entretanto, há em Garner e também no médico interpretado por Eugenio Derbez um certo amparo no sentido de manter o interesse nesta história tão batida. Nela, pelas já citadas reações e pelo modo convincente (e até coerente) com o qual passa a questionar sua fé - sem exageros nem chiliques, apenas uma desesperança baseada no que a rodeia. Nele pelo modo humano como trata seus pacientes, mesmo quando sabe da gravidade do que os afeta - é uma espécie de Patch Adams mexicano, por assim dizer. Neste ambiente hospitalar o longa até é competente, dentro do que se propõe a ser. Só que este é também um longa religioso e, como tal, tem por função louvar.
Estruturalmente falando, Milagres do Paraíso é bem parecido com O Céu é de Verdade - não por acaso, feito pelos mesmos produtores. Ambos trazem uma família branca, feliz, que enfrenta problemas de ordem médica envolvendo crianças. Após uma certa dose de sofrimento, ela vai para o céu e volta falando do paraíso, e isto afeta a fé dos que a rodeiam. Se em O Céu é de Verdade há uma certa inconsistência na crise pessoal enfrentada pelo pastor interpretado por Greg Kinnear, aqui o problema é em relação à falta de sutileza com a qual o filme muda de tom. A queda na árvore é como se fosse uma tomada, virando de forma oportuna (e súbita) a chave envolvendo Annabel. Por outro lado, o que acontece com ela após tal fato segue uma linha coerente, dentro do que o filme se propõe a ser (é sempre importante ressaltar).
Com o claro intuito de servir de inspiração aos espectadores perante as dificuldades trazidas pela vida, Milagres do Paraíso cumpre seu objetivo. Trata-se de um filme regular, que. se abusa dos clichês e do maniqueísmo, jamais descamba para a pregação desenfreada, como acontece com vários outros filmes religiosos. O que, ao analisar a safra que tem chegado às telonas nacionais nos últimos anos, já é um avanço e tanto.