Vida vazia
por Francisco RussoOlivier Assayas e Kristen Stewart, diretor e atriz aclamados por Acima das Nuvens, juntos novamente. Diante da qualidade do trabalho anterior, era até natural que Personal Shopper chegasse ao Festival de Cannes em torno de muita expectativa, o que nem sempre é algo positivo. Esperar demais de um filme pode trazer também uma exigência maior, de forma que qualquer análise inferior ao "ótimo" seja, de certa forma, decepcionante. Ainda assim, não há outra palavra para melhor definir o filme do que frustrante.
A começar porque há em Personal Shopper alguns elementos bem interessantes, mal aproveitados. Um deles é a inusitada profissão de Maureen, personagem de Kristen: ela é encarregada de ir nas lojas e, com dinheiro alheio, fazer compras para seus clientes. Por mais que a ideia de gastar a vontade sem ter que tirar do próprio bolso seja tentadora para os esbanjadores de plantão, tal situação desencadeia um efeito psicológico inusitado: ela simplesmente não se interessa pelo que compra, o que lhe traz um vazio imenso amplificado por ser uma pessoa solitária. É como se fosse uma mera burocrata, batendo o cartão (de crédito) ao realizar uma tarefa que não lhe agrada - o que, de certa forma, serve como crítica implícita ao vazio provocado pelo capitalismo ao incitar o consumo, como meio de ocupar lacunas emocionais.
Por mais que o início insinue uma caminhada neste sentido, mais psicológico, logo o roteiro escrito pelo próprio diretor envereda pelo mistério e o fantástico. Afinal de contas, Maureen possui a estranha habilidade de se comunicar com os mortos e, sem entender o quê e quando acontece, vive com medo - algo semelhante ao garotinho de O Sexto Sentido, de certa forma. Diante desta mudança de rumo, Assayas passa a investir numa fotografia mais escura, com direito a muita câmera na mão, de forma a sempre acompanhar sua personagem principal aonde quer que vá. Surge então um intrigante jogo cifrado, construído através de meras mensagens via SMS.
Por mais que Assayas seja competente em criar tensão, explorando bastante o silêncio e também mudanças de formato de tela ao migrar para uma câmera de celular em determinado momento, Personal Shopper decepciona bastante por construir uma boa ambientação e simplesmente abandoná-la, repentinamente. A ausência de respostas, por mais ambíguas que sejam, remetem ao cinema produzido por David Lynch, mas sem a mesma inspiração na construção de personagens e sequências impactantes. Com isso, fica a sensação de gratuidade: na história, no tal jogo com o algoz via celular, na cena de nudez estrelada pela protagonista, no próprio filme como um todo. Kristen faz o possível com uma personagem tão rasa, mas o problema maior aqui está no roteiro, desconexo e repleto de lacunas, que prejudica bastante o envolvimento do espectador.
Filme visto no 69º Festival de Cannes, em maio de 2016.