O significado do vácuo
por Barbara DemerovEm Siberia, o diretor Abel Ferrara faz o personagem de Willem Dafoe percorrer por caminhos inóspitos e sombrios. Ao mesmo tempo, estes caminhos são os mesmos que contém fragmentos de sua vida passada. O protagonista está morto desde o início, perambulando por trajetos que ora os incomodam, ora os deixam nostálgico. Não há muita coerência na história em si, uma vez que o verdadeiro intuito do cineasta é de provocar o espectador com imagens sem muitas falas que remetem a um pesadelo, a um sonho que não pedimos para acontecer.
Para quem assistiu à O Farol, certamente a presença de Dafoe em mais um personagem complexo que não se explica (e nem é explicado de forma mais profunda) trará reflexos de seu papel na ilha isolada ao lado de Robert Pattinson. Só que desta vez ele está sozinho na maior parte do tempo, imerso em sequências com monólogos ou conversas com a ex-mulher e duas russas que aparecem na sua cabana no meio da noite, por exemplo. Há até espaço para um peixe falante e cenas em que conversa com seu pai (também interpretado por Dafoe), um cirurgião, que explicitam seus problemas em vida enquanto imagens de cirurgias com sangue jorrando à tela são exibidas.
A proposta de Ferrara pode funcionar de diversos modos para o espectador - ou não funcionar de jeito nenhum. Se por um lado a loucura já nos é explícita desde o início do filme, com longos silêncios e uma interpretação alucinada de Dafoe, pelo outro todas as misturas de imagens que envolvem sexo, discussões, monólogos e contemplações podem não se unir como num filme comum. Mas Siberia de fato não é um filme comum, com Ferrara moldando sua origem na base do desvario, da excentricidade na sobreposição de conceitos e símbolos relacionados à vida do homem solitário.
A caverna pela qual Clint adentra é uma metáfora para o mergulho que ele faz dentro de sua própria mente. A escuridão que nela habita já é por si só uma extensão de si mesmo, assim como a aleatoriedade de pessoas e sensações que vão surgindo à sua frente. Mas é difícil se colocar no lugar do protagonista, uma vez que este turbilhão de elementos se mistura a uma falta de foco do próprio filme em trazer um sentido à sua jornada. Afinal, compreendemos desde o início que esta é a história de uma homem perdido no tempo, no espaço e em si mesmo.
Contudo, a rasa conexão do personagem para com o que ele próprio vivencia nestes 90 minutos se aproxima muito mais da falta de significado do que da pretensão do diretor em entregar uma experiência cinematográfica completa - mesmo que o próprio não saiba exatamente aonde quer chegar. O mundo de Siberia é pautado por uma fotografia que remete a Terrence Malick e horizontes que dão para o Universo, muito mais do que por um enredo que apresenta o mais ilógico que existe entre o sonho e o pesadelo. É inevitável ser absorvido para dentro desta vida e suas ramificações sólidas entre passado, lembranças e fantasias do protagonista, mas este emaranhado também dificulta uma imagem clara de qual é a verdadeira essência da história em si.
Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.