Mundo cinza
por Francisco Russo"Está pronto para ouvir a verdade de duas mulheres?"
A frase proferida por Natalie Portman, logo no início de Além da Ilusão, tem uma clara provocação à sociedade machista (da época, mas que repercute nos dias atuais) que vai além da história narrada, pelo fato de ser este um longa-metragem dirigido por uma mulher, Rebecca Zlotowski. Entretanto, por mais que seja um filme protagonizado pelas tais duas mulheres citadas, este não é bem um filme feminista. A diretora na verdade usa tais personagens para abordar uma questão um tanto quanto etérea em torno da ilusão.
Para tanto, o filme rapidamente estabelece dois paralelos: o primeiro deles, escancarado, através da mediunidade da caçula Kate Barlow (Lily-Rose Depp, apagada), que consegue se comunicar com os mortos. O segundo a partir do cinema, como meio de transmitir o que não é real - esqueça os documentários, a proposta aqui é falar da magia oferecida pela sétima arte! Com tais elementos em mãos, Zlotowski compõe uma narrativa em que busca mesclá-los como se o próprio longa fosse, em si, uma espécie de ilusão. Há no filme diversas elipses, com subtramas ensaiadas e logo em seguida abandonadas, como se a proposta fosse justamente iludir o espectador sobre qual rumo seguir.
Por mais que tal caminho seja interessante, conceitualmente falando, ele também cobra seu preço: em vários momentos, a narrativa sofre pela carência de mais informações e até mesmo de uma melhor fluência. A trama é apresentada aos sobressaltos, sem muitas cenas de transição, como se o mais importante fosse retratar o momento em si do que uma história coerente como um todo. Desta forma, há cenas com um certo tom poético, impulsionada pelo simbolismo dos diálogos, mas sem grande função narrativa: "Somos os fantasmas do amanhã", alguém diz ao conversar sobre a possível existência de fantasmas; "O que é muito para a vida é pouco para o cinema", se referindo aos contrastes existentes.
Diante deste universo, está Natalie Portman. Irmã mais velha, é ela quem conduz os negócios da dupla e lida com uma certa frustração pessoal, por não possui os dons mediúnicos que, no fim das contas, são o ganha-pão de ambas - não é à toa que, ao ter a oportunidade de estrear como atriz, ela se satisfaça tanto. É neste momento que Natalie se destaca, pelo seu carisma e competência habituais. O brilho que transmite ao descobrir o mundo do cinema é contagiante, impulsionado por uma fotografia que busca valorizar sua presença em cena. Ela é, de longe, a melhor do elenco - por mais que esteja longe de seus melhores trabalhos, como Cisne Negro e Jackie.
Tamanho brilho de Natalie contrasta justamente com a apatia de Lily-Rose Depp, especialmente quando uma certa rivalidade entre as irmãs é insinuada - e, mais uma vez, não cumprida. O mundo corporativo em torno do cinema francês também surge como pano de fundo, sem grande aprofundamento. No fim das contas, este é o caminho proposto por Além da Ilusão: ser, também, algo meio difuso em torno do que é real e o que é fictício, seja pela abordagem em torno da paranormalidade e do cinema como veículo ou por sua própria estrutura de roteiro. Por mais que até seja interessante, e conte com Natalie Portman como grande destaque, trata-se também de um filme um tanto quanto confuso, consequência até mesmo natural diante da proposta empregada.