Comédia de erros
por Bruno CarmeloEm algum ponto da Holanda, o matador de aluguel Schneider (Tom Dewispelaere) recebe uma tarefa urgente: assassinar Bax, um suposto infanticida. Ele não gosta da ideia, por ser o dia do seu aniversário, mas parte em busca do alvo. Em outro local da Holanda, o matador de aluguel Bax (Alex Van Warmerdam) recebe a tarefa de assassinar Schneider, um suposto infanticida. Ele preferiria passar o dia com sua namorada, mas fica esperando pelo adversário que vem ao seu caminho. Está lançada a armadilha.
Com esta trama, o diretor Alex Van Warmerdam poderia desenvolver um filme de ação tipicamente americano, com dois homens habilidosos caçando um ao outro, perseguindo-se com tiros e explosões. Mas Schneider vs Bax foge de todos os clichês que se esperaria do gênero: nenhum dos dois homens é particularmente habilidoso, a espera pelo confronto é lenta e contemplativa, e quase uma dezena de personagens surgem neste palco para frustrar os planos de Schneider e de Bax. O roteiro é esperto ao inserir uma quantidade surreal de dificuldades, certamente acessórias, como a presença de uma prostituta ou a figura do avô maligno.
O suspense pretende funcionar igualmente como comédia de humor negro, sobre seres um tanto desprezíveis, fracassados, vingativos. O interesse do diretor é vê-los se transformar em cena: Bax passa de um homem arrogante a um ser atormentado à medida que experimenta novas drogas, sua filha frustrada (Maria Kraakman) descobre a coragem quando um assassino vem buscar o pai, Schneider parece frio e calculista, até manifestar afeto pela prostituta que cruza seu caminho. A mistura entre sexo e violência funciona como catalisadora: os protagonistas se movem pelo repúdio ao (suposto) infanticídio, pedofilia e abuso de mulheres.
As transformações são bruscas, inconsistentes, e não resistiriam a uma análise psicológica mais aprofundada. Mas, degustando seu voyeurismo, Schneider vs Bax coloca o espectador como testemunha onisciente da dupla perseguição. O espectador sabe de tudo, podendo antecipar o fracasso de cada plano. As imagens, claras e bem calculadas, ajudam na empreitada: Van Warmerdam usa um único espaço (a casa minúscula) e o pequeno pântano à frente para criar a sensação de isolamento e evitar distrações. A bela fotografia e direção de arte contribuem ao jogo de opostos: a casa branca e organizada dos assassinos contra o pântano sombrio, o céu nublado contra o sol que aparece nas horas tensas. Até a iluminação possui senso de ironia.
A mise en scène é funcional, fria, o que acentua o absurdo das mortes e das atitudes inesperadas dos personagens. Talvez nem toda cena humorística funcione, mas rumo ao final, o filme entra em perfeita sintonia, com uma conclusão inesperada e cínica. Este é o avesso do cinema hollywoodiano: a produção holandesa está menos interessada na redenção dos personagens do que na sua queda, menos preocupada em estabelecer justiça do que compartilhar uma divertida sensação de caos e aleatoriedade.
Filme visto no Festival do Rio, em outubro de 2015.