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    Eu Te Levo
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Eu Te Levo

    História de fantasmas

    por Bruno Carmelo

    “Se você ama alguma coisa, deixe-a partir. Se você não ama alguma coisa, definitivamente deixe-a partir. Enfim, abandone tudo, quem se importa”. Essa brincadeira sobre a maneira como geramos nossos afetos ajuda a pensar sobre Eu Te Levo, drama brasileiro no qual as pessoas estão sempre abrindo mão de objetos e sonhos, ou porque gostam demais, ou porque nunca gostaram realmente. A diferença entre os dois, no caso, é quase imperceptível.

    Rogério (Anderson Di Rizzi) está de luto pela morte do pai. Aparentemente, ele sofre com a perda, mas nada em sua rotina permite perceber uma transformação interna. Sua mãe, Marta (Rosi Campos) demonstra apego à loja familiar como herança simbólica do marido. Quando ouve falar na venda do estabelecimento, fica revoltada. Na cena seguinte, diz: “Pensei melhor. Tudo bem”, ou seja, conflito resolvido. Cris (Giovanni Gallo) se sente pressionado para fazer a faculdade, mas não quer realmente. Ele tem outro sonho, grandioso: fazer uma longa viagem, não se sabe exatamente onde, nem porquê, nem quando este sonho surgiu. O próprio Rogério sonha em ser bombeiro, mas a obsessão aparece no roteiro repentinamente, antes de ser abandonada com a mesma rapidez.

    Durante toda a duração de Eu Te Levo, o público acompanha estas figuras de um ponto de vista externo, sem conhecer o que sentem, nem como pensam. Eles são limitados aos pouquíssimos gestos em cena: dirigir, ir ao trabalho, entrar na cozinha, deitar na cama. Estamos alheios aos espaços em que circulam, às relações com outras pessoas, aos seus corpos, seus olhares. A mise en scène é mecânica: a única jovem que subitamente entra no enquadramento vai trombar com o protagonista e, logicamente, se tornar a namorada algumas cenas mais tarde. O único jovem adulto além de Rogério é seu melhor amigo. A única mulher de meia-idade é a mãe. O mundo é acessório, orbitando em torno de um personagem emburrado e inconsistente.

    Os atores fazem o que podem com o material em mãos. Anderson Di Rizzi e Gabriela Palumbo conseguem atribuir naturalidade aos diálogos endurecidos, enquanto Gallo busca retomar a malícia demonstrada em De Menor. Mas é difícil torcer por estes seres apáticos. Quando articulam uma fuga, não se sabe ao certo do que estão fugindo, já que a opressão não foi desenvolvida em tela. Desconhecemos o interesse do destino escolhido. No entanto, diante de tamanha indiferença da direção e dos personagens, a única questão que resta ao público é: Por que eles ainda não partiram?

    A estética acentua os problemas narrativos. A opção pelo preto e branco é mal justificada: esta escolha costuma ser utilizada para ressaltar as formas, ou talvez para romper com o realismo, mas nenhum dos dois se aplicaria a este projeto. A luz não destaca os personagens do cenário, transformando Rogério em uma série de borrões cinzentos subexpostos, misturados aos móveis do cenário. A câmera se posiciona à distância, com enquadramentos em contra plongée e lente grande angular, distorcendo os fundos. As movimentações em cena são pouco naturalistas, enquanto a falta de interação dos personagens com o cenário acentua a sensação de artificialidade.

    Marcelo Müller estaria buscando uma representação da perturbação psicológica, através da trilha punk e da desafetação dramática? É possível. Mas sem metáforas, sem analogias, sem poesia, o resultado é tão árido quanto inacessível. As caronas entre Rogério e Cris não têm força dramática, os encontros com a mãe não geram conflitos suficientes, os planos de fuga não funcionam como clímax. Quando Rogério e Cris partem, parece que nunca realmente estiveram lá. Os personagens atravessam o filme sem deixar marcas.

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