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    As Mil e Uma Noites - Volume 2, O Desolado
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    As Mil e Uma Noites - Volume 2, O Desolado

    Filme de ligação

    por Francisco Russo

    De imediato, há uma questão conceitual importante em As Mil e Uma Noites - Volume 2, O Desolado. Como as regras da trilogia foram apresentadas no episódio anterior, aqui Miguel Gomes não precisa trazer grandes explicações ao espectador. Por mais que haja uma breve síntese de que o filme traz contos inspirados na crise econômica vivida por Portugal entre 2013 e 2014, nada é dito sobre a fuga e a posterior captura do diretor, que resultou nesta série de histórias fantasiosas com um pé na vida real. Desta forma, o longa já inicia com o primeiro conto deste novo episódio e assim segue até o final, alternando histórias sem se ater ao que acontece além delas.

    Assim como no primeiro filme, são três os contos apresentados neste Volume 2: “Crônica de Fuga de Simão ‘Sem Tripas”, “As Lágrimas da Juíza” e “Os Donos de Dixie”. Três histórias em que, mais uma vez, Gomes demonstra habilidade ao mesclar crítica social com uma boa dose de sarcasmo, por mais que não exercite tanto sua veia criativa em relação aos estilos de narrativa – não espere a variedade demonstrada em O Inquieto. Além disto, há neste segundo episódio um nítido desequilíbrio entre as histórias. Se cada uma delas tem duração parecida, entre 40 e 50 minutos, a forma como cada uma se desenvolve é bem diferente.

    A começar por “Crônica de Fuga de Simão ‘Sem Tripas’”, uma história praticamente toda contada através da narração em off onde a resistência ao governo é exaltada a partir da fuga de um homem “silencioso, solitário e mau”. Apresentado em ritmo bem lento, é quase um filme de espera pelo seu desfecho revelador. Apesar de interessante, poderia facilmente ser encurtado sem perder o tom de crítica.

    É no segundo episódio que a criatividade de O Inquieto volta à tona. “As Lágrimas da Juíza” é uma deliciosa viagem através da investigação da autoria de crimes insólitos, passeando livremente pelo nonsense. Com diálogos inspiradíssimos, a história se apropria de personagens como um gênio da lâmpada – vestido com uma típica fantasia de carnaval, destas que se encontra bem barato, para ressaltar a ideia de farsa – e até mesmo uma vaca fugitiva, que consegue conversar com uma oliveira – mais um truque de narrativa tirado da cartola do diretor. A surpreendente sucessão de eventos, todos encadeados e tendo como motivação maior o empobrecimento da população, encanta não apenas pelas risadas provocadas mas também pela própria criatividade do texto, sem limites rumo ao absurdo. Vale também citar ainda o inusitado preâmbulo, que ressalta a ligação da juíza com sua filha.

    No terceiro episódio, Gomes retorna ao tom morno do início do Volume 2, por mais que o ritmo desta história seja bem diferente. Agora o diretor busca explorar a fauna existente em um prédio residencial, dando breves flashes sobre suas peculiaridades, tendo como elo principal um simpático cachorrinho, Dixie – vencedor do Palm Dog, no Festival de Cannes. É hora de mais uma vez ressaltar o empobrecimento da população, além de uma cutucada em relação ao serviço de transporte público do país.

    Por mais que mantenha sempre o interesse do espectador, especialmente no segundo episódio, As Mil e Uma Noites – Volume 2, O Desolado não consegue repetir o espírito ousado do original. Em parte porque as regras do jogo já estão estabelecidas, o que torna todo este ambiente já reconhecível, mas também por trazer histórias sem tanto risco assim, tanto pelo lado narrativo quanto estético. Trata-se do típico filme de ligação, que se atém mais a seguir o formato pré-estabelecido de forma a passar a bola para o derradeiro desfecho. Funciona, mas fica uma pitada de decepção devido à força demonstrada pelo original.

    Filme visto na 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em novembro de 2015.

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