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    Críticas AdoroCinema
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    Prostitutas sem complexo

    por Bruno Carmelo

    Quatro jovens se prostituem em festas para clientes ricos. Elas conversam abertamente sobre suas posições sexuais preferidas, as aventuras de cada noite, a homossexualidade, transexualidade e a possibilidade de independência feminina. Esta seria uma temática comum se não estivéssemos no Marrocos, país onde o islamismo aplica regras rígidas à autonomia das mulheres. Se as esposas que passam muito tempo fora de casa são mal vistas pela sociedade, as prostitutas são execradas – o que não impede os homens casados de usarem seus serviços, é claro.

    Much Loved surpreende pela abordagem do tema sem tabus, isentando as protagonistas de julgamento moral. A prostituição é vista como um trabalho duro, mas digno, e justificável pela necessidade das quatro jovens de ganhar dinheiro e sustentarem suas famílias. A exibição no festival de Cannes gerou um escândalo, com ameaças de prisão ao diretor Nabil Ayouch e ameaças de morte à atriz principal, Loubna Abidar, exilada na França desde então. No entanto, seria equivocado valorizar o filme pelas virtudes extra fílmicas, ou seja, por constituir um símbolo de liberdade num país moralista. Vale a pena analisar o resultado em si.

    A câmera do cineasta se insere entre as prostitutas como se o espectador fosse uma das personagens. Nas diversas cenas de interação entre Noha (Loubna Abidar), Randa (Asmaa Lazrak), Soukaina (Halima Karaouane) e Hlima (Sara Elhamdi Elalaoui), o enquadramento fecha em seus rostos e corpos, à medida que elas brigam, fazem piadas, se provocam. As numerosas festas com clientes sauditas são filmadas com a curiosidade de quem tem muito para olhar de uma vez só: a câmera alterna entre uma dança sensual à direita, uma personagem fingindo ser uma cadela sexy à esquerda, e sons de gemidos de prazer num cômodo distante.

    Nabil Ayouch não demonstra pudor em filmar corpos nus, muito pelo contrário. Na primeira metade deste drama, ele observa as atrizes do mesmo modo que os clientes masculinos, ressaltando as partes despidas do corpo. Durante uma cena de sexo, fecha o enquadramento a poucos centímetros da penetração, durante as danças, repete imagens de bundas rebolando. Existe um evidente desejo de chocar, de “ser verdadeiro”, mostrando que as atrizes estão de fato desempenhando os papéis e criando os contorcionismos sozinhas. A ambição do realismo a qualquer preço poderia ser compreendida como exploração do elenco.

    Essa impressão se dissipa aos poucos, à medida que o ponto de vista é transferido a cada uma delas. O roteiro interrompe a dinâmica rígida de “cenas de noite + cenas da manhã seguinte” para investir na psicologia das personagens, de acordo com elas mesmas. As cenas na casa, quando conversam tranquilamente sobre suas famílias e seu futuro, transmitem louvável preocupação em defini-las para além da profissão: elas são garotas que por acaso se prostituem, e não apenas prostitutas. A relação com o motorista do grupo e com a mãe de Noha são particularmente bem desenvolvidas, por relatarem a importância do dinheiro nesse contexto: as pessoas não aprovam a atividade da líder do grupo, mas se calam por receberem dinheiro dela.

    Much Loved apresenta dificuldade em concluir sua trama. Seria melhor apontar para um rumo otimista, ou permanecer na rotina difícil de agressões físicas e psicológicas? O roteiro busca algo intermediário, numa cena talvez vaga, porém justificável pela tentativa de apoiar o grupo sem descartar sua realidade. O filme se posiciona inegavelmente do lado das mulheres, valorizando a amizade e a independência das prostitutas em detrimento da obrigação moral de serem boas mães e esposas. O limite entre o realismo e a exploração pode ser questionado, mas a obra reitera sua posição humanista.

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