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    Mimosas
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Mimosas

    Deus e o Diabo nas montanhas

    por Bruno Carmelo

    “Existe uma passagem estreita por ali”. “Mas as mulas não passariam”. “Tudo bem, elas podem voar”. Este é um dos diálogos desconcertantes de Mimosas, anti-road movie no qual interessa menos o deslocamento do que a imobilidade. Mesmo a céu aberto, os personagens estão presos: o xeique morre antes de chegar à terra natal, onde pretendia ser enterrado. Ahmed e Saïd, contratados pela travessia, veem-se obrigados moralmente a levar o corpo, embora não conheçam o destino e tenham certeza de que a trajetória escolhida pelo falecido estava errada. Shakib, responsável pelo bom andamento da caravana, precisa seguir os demais.

    Os protagonistas carregam uma contradição fundamental: eles devem prosseguir e têm a liberdade de ir para qualquer caminho, mas não sabem como nem por onde seguir. O roteiro de Oliver Laxe funciona como um labirinto a céu aberto, numa paisagem sem nome nem tempo definido. O projeto expõe seu caráter fabular, opondo um sujeito ingênuo e religioso (Shakib) a outro, malicioso e de intenções ambíguas (Ahmed). No caminho, eles fazem encontros improváveis e vivem situações absurdas, como convém a uma fábula.

     O absurdo é trabalhado com maestria pelo diretor. Com poucos personagens e diálogos econômicos, ele brinca com as noções de bem e mal, Deus e diabo, fé e honra. O elenco, inteiramente composto por não-atores, traz uma performance antinatural, intensa. Shakib Ben Omar, descoberto enquanto trabalhava como garçom, apresenta uma atuação selvagem, destemida, difícil de obter com um ator técnico. Ahmed Hammoud não fica atrás: é impossível dizer, em cada cena, se suas intenções são virtuosas ou perversas.

    Em termos estéticos, Mimosas contrasta a amplidão dos espaços com a solidão dos personagens. Laxe alterna planos bem abertos, nos quais os homens se tornam meras silhuetas em movimento, com outros muito mais fechados, quando o silêncio se encarrega de representar a hesitação dos viajantes. Alguns ruídos substituem a trilha sonora, enquanto a montagem opta por cortes em tempos inesperados, introduzindo fragmentos desconexos à narrativa. A intenção é produzir o estranhamento, uma bem-vinda sensação de não-linearidade à jornada.

    O resultado é menos hermético por suas escolhas imagéticas do que pela narrativa ampla, transcendental. Algumas pontas ficam soltas, outras são oferecidas como metáforas sem chave de leitura aparente. Laxe parte do prenúncio de uma narrativa linear, apenas para desconstrui-la passo a passo, até a conclusão próxima de uma poesia abstrata. Mas talvez não seja preciso compreender todos os símbolos: claros ou não, eles carregam em si amplas e interessantes possibilidades de significado.

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