Existem três maneiras clássicas de se escrever um bom roteiro: o conflito do sujeito consigo mesmo, o sujeito em conflito com o outro sujeito e, o sujeito em conflito com o mundo. Três formas distintas é bem verdade, que, no entanto preservam uma ideia central, ou seja, a ideia de conflito. Dito isto, seria possível rastrearmos este traço no novo documentário de Walter Carvalho? Nossa sugestão é afirmativa.
Em Um Filme de Cinema o cineasta Paraibano apresenta a relação conflituosa da arte cinematográfica consigo mesma. O título denuncia e oculta o desenrolar do trabalho em questão. O que observamos desde o primeiro plano, que traz uma citação do Filósofo Jean-Paul Sartre, é a forma como o cinema entra silenciosamente nas nossas vidas, e, na maioria dos casos nunca mais decide sair. O ponto de partida da película de Carvalho é o Cine Continental, localizado no Sertão da Paraíba, a partir do qual surge a metáfora da aparente decadência do cinema contemporâneo. Grandes realizadores da sétima arte, como Hector Babenco, Julio Bressane, Andrew Wajda, Vilmos Zsigmond, Ruy Guerra, Ken Loach, Béla Tarr, Gus Van Sant dentre outros, oferecem suas perspectivas sobre o fazer cinematográfico. Alguns decidem começar a pensar um filme pelo fim, outros pela trilha sonora que dá a atmosfera ao trabalho etc. De onde se extrai a tese de que o cinema faz como que Tempo e Espaço conseguem dialogar de uma forma não convencional com aquilo que chamamos de Real. Ou seja, o cinema brinca com o tempo, copia, recorta, apaga, em suma: faz a decupagem da existência. No entanto, segundo o desenrolar do filme o cinema não é filosofia, não tem um compromisso direto com a verdade, embora seja sempre capaz de nos apresentar verdades eternas e imutáveis – a partir de sua própria linguagem é claro. Destarte, em Um Filme de Cinema os planos longos são considerados mais democráticos, as ações rítmicas são ideais, imagem e movimento se contrapõem dialeticamente à imagem e tempo etc. (Categorias ilustradas por filmes de Giuseppe Tornatore, Jean-Luc Godard dentre outros).
Por fim, liberdade de criação e mercado são posicionados de forma contrária. Uma querela com a qual a maioria das plateias já está minimamente habituada. Quem faz o filme? A câmera é neutra? O cinema tem poder? São as questões secundárias que emanam da linha em ziguezague surgida a partir da questão: o que é o cinema? Seja lá qual for a resposta definitiva, o fato é que apesar das dificuldades ele continua vivo e dando o que falar, como ilustra a sessão de projeção no cinema no sertão paraibano que fecha o filme de Carvalho.