Justiça em questão
por Bruno CarmeloOrestes é um documentário que investiga a justiça. Para ser mais exato, ele ostenta a ampla ambição de investigar o conceito de justiça, sua aplicação ontem e hoje, suas consequências psicológicas e, de certo modo, a fabricação da noção de moral no Ocidente desde a filosofia e a literatura gregas - de onde sai o mito de Oréstias, motor narrativo do filme. É uma ambição gigantesca, que o diretor Rodrigo Siqueira ataca com vigor e com senso de representatividade.
O filme combina depoimentos de pessoas afetadas por casos judiciais (duas famílias cujos filhos, inocentes, foram assassinados por policiais) com outras marcadas pela violência do governo (uma mulher cujos pais foram mortos na ditadura); mistura sessões de psicodrama com uma encenação da defesa de Orestes, uma versão contemporânea do herói trágico grego, conduzida por dois advogados muito experientes. Estuda-se a justiça no passado e no presente, real e encenada, insuficiente ou excessiva, clemente ou vingativa.
A estrutura é de fato heterogênea, mas bem organizada pela montagem fria e eficaz. Estes episódios são separados em capítulos, combinados pela edição por afinidade de temas, gerando fricções potentes. Depois de demonstrar a insatisfação de uma mãe cujo filho foi morto sem provas, a montagem revela uma personagem justiceira, que acredita na pena de morte e no assassinato de todo tipo de bandido. “Mas sou contra qualquer forma de violência”, ela prega. Orestes está aberto a contradições, aos diferentes pontos de vista, promovendo um debate amplo e aprofundado sobre o tema.
Em termos imagéticos, o filme inscreve-se numa forma de realismo que nunca se torna sensacionalista. Entra-se na casa dos entrevistados, vasculha-se as suas fotos, acompanha-se as íntimas sessões de terapia, mas nenhum corpo ou sangue é visto em cena. Não existe prazer na dor dos outros, nem no espetáculo da justiça heróica. Este é um projeto de sólidas bases éticas, com grande refinamento intelectual e cinematográfico na exposição das pessoas entrevistadas. Siqueira escuta um antigo militante, torturado durante a ditadura, passear pelos cômodos do DOI-CODI e descrever como levava “tapinhas e choquinhos”, mas nunca pede que ele forneça mais detalhes. As sugestões bastam por si só, provocando na cabeça do espectador imagens mais horríveis do que aquelas que o cinema poderia fabricar.
Pelo conteúdo denso e pela exposição estruturada dos pontos de vista, Orestes não deixa de parecer uma palestra acadêmica sobre o tema, desde os letreiros iniciais, quando o filme enuncia didaticamente seus objetivos e faz uma interpretação pessoal de sua própria abordagem. O tom professoral impede momentos de respiro para além da cena de uma gaivota voando entre os edifícios. A beleza, neste projeto, não provém da poesia das imagens ou da emoção das palavras, mas de suas ambições intelectuais. Talvez este filme não seja exatamente agradável de assistir, mas nem todo cinema precisa entreter o espectador. São valiosas as iniciativas de estimular a reflexão com tamanha complexidade.