O documentário “Malala” (2015) estreia no Brasil em um momento muito propício para se discutir a violência advinda do fundamentalismo religioso. O atentado sofrido pela paquistanesa em 2012, quando foi baleada na cabeça por um membro do grupo islâmico fundamentalista Talibã – que também atingiu duas colegas suas de escola - não está diretamente ligado aos recentes ataques de radicais mulçumanos na França, mas eles estão historicamente e culturalmente conectados. Ambos os casos são um reflexo de uma cultura intolerante, alimentada por diversos fatores e acontecimentos históricos, que só terão uma mudança efetiva, se criarmos um contexto mundial para o surgimento de outras meninas como Malala Yousafzai.
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O próprio longa-metragem deixa evidente a impressão de o quanto à menina já nasceu predestinada, a se tornar um ícone para as mais de sessenta milhões de mulheres, que têm o direito à educação negado em diversos países todos os dias. Seu pai, Ziauddin Yousafzai, lhe batizou com o nome de uma heroína do Afeganistão, quase como numa esperança de concretizar já no nascimento, o que aspirava para sua filha no futuro. Segundo a introdução do filme “Malalai de Maiwand” foi uma mulher que brandiu um estandarte para incitar os guerreiros afegãos, a continuarem combatendo os ingleses durante uma batalha no séc XIX e que acabou perdendo a vida durante seu ato de coragem. Nome, também, de outra conhecida crítica do Talibã, a política afegã Malalai Joya.
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Dirigido por Davis Guggenheim, vencedor do Oscar de Melhor Documentário de 2006 com “Uma Verdade Inconveniente”, “He Named Me Malala” já é por si só interessante e encantador por causa da personalidade que documenta. Além disso, ele apresenta uma linguagem narrativa ainda mais atrativa do que a de “An Inconvenient Truth”, utilizando animações e a narração dos próprios documentados para causar uma empatia mais efetiva no espectador. A animação que introduz o longa e aparece em diversos momentos, soma-se a narração da própria Malala e de seu pai Ziauddin, dando uma sensação de intimidade e expressando muito bem os sentimentos de cada um deles ao reviver seu passado.
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Mais do que contar os poucos 17 anos da adolescente ativista dos direitos humanos, o documentário aborda o poder das palavras. É por meio do discurso falado, antes do uso das armas, que os líderes do Talibã, organização extremista que ordenou a tentativa de assassinato da garota, tentavam impedir que o povo da cidade do vale do Swat no Paquistão, quisesse aprender conhecimentos considerados "ocidentais". Foi por meio da fala que o professor e pai de Malala, em conjunto com livros e amigos, sejam na sala de aula ou em comícios, influenciaram a menina a utilizar o verbo, primeiro em um blog com pseudônimo e depois no rádio e na TV, mesmo diante do risco de suas vidas.
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Mesmo que a Paquistanesa tenha aparecido frequentemente nos noticiários nos últimos três anos, ainda existem muitas pessoas que não conhecem sua história, também contada no livro "Eu sou Malala - A história da garota que defendeu o direito à educação e foi baleada pelo Talibã", publicado em 2013. A maioria sabe que ela foi agraciada com um Prêmio Nobel da Paz, talvez lembrem que ela é a pessoa mais jovem a receber a premiação, mas, mesmo assim o filme deixa espaço para a emoção e a surpresa. Quem, ao assistir, não se lembrar exatamente do ano em que foi premiada, vai se decepcionar por ela não ter ganho em 2013 e ficar satisfeito com o anúncio de seu nome, junto com o do indiano Kailash Satyarthi, na edição de 2014, mostrada só nos créditos do longa. Mais do que tudo, vai se revoltar com a descrição de como ela foi baleada junto com as amigas em um ônibus escolar e vibrar com sua recuperação e seu discurso na ONU.
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Nos momentos em que é acompanhada nas suas relações familiares é que nos surpreendemos mais com a lembrança de que ela não é muito mais do que uma adolescente, recém saída da infância. As brincadeiras com os irmãos menores e os pais, as responsabilidades escolares como os deveres de casa, num contraste com seus encontros com chefes de estado, mesclam a inocência do mundo infantil com a violência do universo adulto. Isso nos leva a compreender, que sua força vem da pureza de quem foi obrigada a amadurecer muito cedo, de quem foi intelectualmente bem orientada, conseguindo assim lidar com questões sérias, como a fome, a guerra, a intolerância, entre outras, com um carisma que cativa muitas pessoas pelo mundo, em prol de suas causas sociais.
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Os recentes debates brasileiros sobre feminismo por causa do ENEM e os projetos de lei que querem alterar as regras para o aborto, também dialogam de certa maneira com a produção audiovisual, já que Malala se declara como feminista. Em entrevista a atriz Emma Watson (a Hermione de Harry Potter), para a divulgação da obra documental, a paquistanesa revelou ter decidido assumir o feminismo após assistir o discurso da inglesa, como embaixadora da Boa Vontade da ONU Mulheres em 2014. Após a entrevista, Emma publicou uma postagem com muitos elogios a Malala em seu perfil do Facebook.
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Malala não é o documentário mais original e inovador já realizado, algumas ideias se repetem de forma exageradamente didática e emocional. Entretanto, em tempos de Estado Islâmico é consolador assistir um filme destes, para nos lembrar e dar a esperança de que onde existe violência e ignorância, também floresce conhecimento e coragem. Esperamos que muitas "Malalas" surjam nos próximos anos, mas, que repitam apenas seus feitos nobres, sem a necessidade de passar pelo mesmo momento trágico.
Vale a pena conferir nos vídeos abaixo os discursos de Malala Yousafzai, na ONU e no Prêmio Nobel, bem como o discurso de Emma Watson, também na ONU e a entrevista de Malala com Emma.