Mulan (2020)
De saída, minha opinião resumida: o reimaginado Mulan é esplendoroso! Mesmo enredo da animação, mas com outra proposta, mais atualizada. Aqueles que, como eu, estão indo atrás de mero saudosismo sentimental, ou se decepcionarão, ou decidirão sublimar seus anseios infantis de realização afetiva para desfrutar de um enredo rico tanto estetica como eticamente. É um filme para crianças, mas de outro tempo. E aquilo que lhes cativou a alma na Mulan de outrora, permanece vivo como uma chama neste remake. Mulan não se esquiva de tocar de forma mais madura e profunda naquilo que faz deste filme o melhor de tudo que a Disney poderia produzir: lidar com as entranhas do predicamento humano, suas incertezas, hipocrisias, lutas existenciais, mas também seu anseio por grandeza, pela busca de autenticidade, de um lugar de honra e valor numa sociedade de cartas marcadas pelo preconceito, tradição e fraturas sociais e de gênero. Mas, para além do anseio humano por reconhecimento e realização, Mulan perturba o tabu ainda insuperado: teria a mulher o direito a estes mesmos anseios? Teria seu lugar de igualdade com a condição humana? Estas questões nada efêmeras determinam o necessário descolamento da maioria dos clichés e jocosidades da versão animada, tão típicas das produções da Disney. Mas não de todas. Afinal, Mulan é a versão americana da lenda chinesa, tão bem representada pela atriz Liu Yifei. O desfecho, entretanto, me evocou impressões ambiguas. Se por um lado o antecipado final feliz revela a hodierna incapacidade ocidental de encarar as tragédias da vida com realismo, o que faz com que a saga oriental continue a se transmutar em falso mito, por outro lado o ideal americano de igualdade e liberdade acaba por inovar ao convergir princípio e fim em torno de uma das questões centrais da trama da história: a quem cabe o direito de decidir o que uma mulher julga ser seu futuro preferível à luz dos multifacetados e regularmente conflitantes valores que cercam sua vida.