Aqui temos um live-action que realmente empalidece totalmente diante da obra original.
Apesar de procurar por um tom sério e realista, possivelmente para se distanciar da animação (o que seria muito bom, caso fosse bem executado), o filme toma várias liberdades ao fazer de Mulan alguém dotada de uma energia mágica chamada "chi", que a torna especial. Esse elemento já estragou grande parte da personagem, que teve toda sua construção e desenvolvimento prejudicados. O filme live action acaba sendo mais fantasioso do que a própria animação original.
Apesar da animação ser até exageradamente cômica em um nível até desrespeitoso com certos elementos da cultura chinesa, por se tratar de uma produção feita por ocidentais, o fato é que, mesmo assim, o humor funcionava e era contraposto com cenas de alta dramaticidade, como quando Mulan canta "Reflection" do fundo de sua tristeza e decepção por não ter sido competente na prática dos modos com a casamenteira; além da cena em que ela é descoberta como mulher, que é um momento tenso e constrangedor, bastante dramático, ainda mais pra uma obra infanto-juvenil com personagens cartunescos e muito humor físico. Além disso, a Mulan da animação era muito mais carismática e crível, ela passa o filme todo tendo que se provar. Ela passa por um crescimento, até por estar em desvantagem em uma cultura patriarcal milenar em que apenas homens são exercitados para a arte da guerra.
Já neste filme novo, Mulan parece ter que fazer uma média com os demais para poder se passar desapercebida. A cada pequena fragilidade que ela demonstra, ela já consegue imediatamente responder com o triplo de força, o que fica muito distante da nossa realidade pessoal. Pois, na vida, ninguém nasce com superpoderes, ou já tendo habilidades; a gente passa por um processo de aprendizado em que vamos sendo gradualmente aperfeiçoados, assim como a Mulan da animação. É por isso que a animação é muito mais poderosa e marcante. Ela não teve um dom, ela teve que se esforçar para conseguir a vitória.
Vilões bem esquecíveis, sem tempo suficiente de tela para serem bem explorados. Cenas de ação até bem executadas, porém também artificiais. Personagens secundários não marcam tanto quanto os da animação, que além de serem bastante singulares, cada qual com sua personalidade e design diferenciados, eram bem aproveitados pelas sequências musicais. A atriz que interpreta Mulan quase não tem expressividade, o tempo todo com a mesma cara, nem consegue sorrir, a não ser por umas duas vezes que mal dá pra ver.
Apesar de ter um ar de filme de guerra sério e épico, ao mesmo tempo tenta ser friendly-family, e nisso, se perde. Não se pode mostrar sangue, nem cenas de grande violência, então as cenas de batalha soam artificiais. A animação era mais consciente de sua proposta. O tempo todo se fala da tal fênix; porém, ela nem aparece direito, é chato, não tem substância.
Melhor cena: a cena do chá com a casamenteira, que conseguiu adaptar muito bem o texto da animação para o live action. A ideia de fazer Mulan equilibrar as peças e depois deixar cair foi genial, pois mostra o poder e a fabilidade dela ao mesmo tempo. Porém, infelizmente, o resto da trama não conseguiu desenvolver isso bem. Ela é sempre muito mais forte do que falha, e isso afasta nossa identificação.
Em suma, uma oportunidade desperdiçada.