MULAN
Live action da Disney mira em várias vertentes e não acerta nenhuma.
Apesar de ter se transformado em um conto-de-fadas da Disney devido a um desenho animado, a história de Mulan faz parte do imaginário chinês a muitos séculos. Dessa forma, abriam-se três caminhos na frente dos produtores: uma aventura fantasiosa, colorida e divertida como a animação original, um conto épico, dramático e realista e por fim um filme de ação cheio de golpes impossíveis e personagens que beiram os super poderes. E pelo que parece a Disney decidiu caminhar pelos três caminhos. O que foi uma decisão errada.
Quando o filme se inicia, mostrando a infância de Mulan e suas tendências a ser uma garota diferente das pacatas outras meninas da região, sendo capaz de vários movimentos acrobáticos de artes-marciais enquanto caça uma galinha, realmente parece que estamos vendo um colorido e alegre filme da Disney. Quando a protagonista cresce, igualmente. A ausência das músicas da animação, exceto por homenagens na trilha sonora habitual, já é o primeiro traço de mudança radical.
Bom, já que não teremos as músicas, descarta-se a hipótese de um filme alegre e infantil como a animação em que se baseia, mesmo com a presença do sobrenatural, aqui marcado pela presença da bruxa Xianniang – Gong Li -. Agora, temos cenas que ignoram a nossa suspensão da descrença com golpes e acrobacias sem o mínimo de fidelidade à realidade. É nessa cena em que conhecemos o vilão Bori Khan – Jason Scott Lee.
Na trama, Bori Khan se une a Xianniang e cria um exército para tomar a China de seu Imperador – Jet Li. Isso obriga a dinastia a recrutar um homem de cada família para ceder ao exército para defender o Império. O pai de Mulan, Fa Zhou – Tzi Ma – é um veterano de guerra ferido sem um filho homem. Dessa forma, ele é obrigado a voltar ao exército. Mulan – Liu Yifei – para salvar a vida do pai, rouba seu cavalo, armadura e espada, finge ser um homem e parte em direção ao acampamento dos soldados.
De fato, a premissa básica abre margem para um drama épico de guerra, mas não podemos esquecer que se trata de um filme da Disney inspirado não só numa lenda chinesa, como numa animação infantil. E nessa mistura de motivações no estilo desse filme, o que vemos aqui é um camaleão que não agrada nem a gregos nem a troianos e talvez nem a chineses.
A impressão que se tem é que a diretora Niki Caro gostaria de fazer um filme pés no chão mas isso não se encaixava com a proposta da Disney. Então, mesmo tirando as músicas da animação original, o dragão mascote do filme e diminuindo a comédia dos colegas de exército de Mulan, temos aqui bruxas e uma fênix. E pode-se dizer que se tirasse ambos elementos do filme, não faria falta alguma.
O filme não consegue desenvolver nada. Não conseguimos nos afeiçoar à família de Mulan, o Exército em que ela vai servir ou o País que ela quer defender. O protótipo de “par romântico” do filme mal se cria e o alívio cômico não sai da superfície. O que mais chegou perto de ser bem trabalhado foi o peso da guerra aos soldados e aos civis. Mas apenas “chegou perto”. Pois é difícil se importar com os perigos que a protagonista enfrenta quando é praticamente invencível e inteligente. É como se Mulan soubesse que está dentro de um filme e não hesitasse em tomar as decisões mais arriscadas possíveis. Mas é fácil ser confiante quando você é melhor do que todos em tudo e mais parece ter literalmente super poderes. E eles nem mesmo fazem sentido: Dá a entender que foi fruto do treinamento que seu pai lhe deu. Mas 1: como ex-soldado ele teve o mesmo treinamento dos demais. 2: Os demais soldados colegas de Fa Zhou tiveram o mesmo treinamento e provavelmente seus filhos também estavam servindo com Mulan e ninguém ali além de Chen Hong – Yoson Na – pareceu chegar perto de conseguir ser páreo para ela. 3: Como não era bem visto uma garota ser treinada, com certeza os treinos foram às escondidas e com isso feitos com bem menos frequência do que o necessário para Mulan ser tão boa.
Todas as problemáticas do filme são resolvidas rapidamente, além de furos e conveniências que subestimam a inteligência de quem está assistindo. É como se o filme pedisse por mais tempo mas que não pudesse passar das habituais duas horas. O confronto final é o cúmulo da preguiça. As cenas de ação que ocorrem durante o filme são mais grandiosas do que as do final, contando com efeitos práticos bem realizados, mesmo que num cenário de CGI que variava entre o artificial e o primoroso.
É realmente triste com tanto potencial ser enfraquecido por um roteiro preguiçoso que não sabia para onde mirar e acabou ficando raso. Ainda mais com estrelas mal aproveitadas como Jet Li e Donnie Yen compondo o elenco.